terça-feira, 29 de março de 2011

Flavinha - O Blues de uma Autêntica Rebelde!

Cá estou eu escrevendo para vocês à convite de um grande amigo,  o Dr. K.
E nada melhor para falar de blues quando se está ouvindo blues. Escolhi como trilha sonora um clássico dos clássicos, “Hoochie , Choochie Man” de Muddy Waters.
Blues não pode ser definido como um estilo musical. Fica muito pobre essa definição diante de sua grandeza . Vai muito além; blues é visceral, é sentimento passional, é dor, é a lâmina afiada na carne, é o som da alma.
Eu conheci o blues por acaso. E o mais interessante,  foi através do rock’n’roll, lá por meados dos anos 90, quando entrei na adolescência. Foi ouvindo Led Zeppelin e The  Rolling Stones que me apaixonei pelas “baladas”, que depois vim a descobrir que eram influência do blues (e muitas delas regravações de clássicos).A música negra que encontrou como lar as terras  americanas até se espalhar pelo mundo tinha finalmente batido à minha porta.
E não foram só eles que adotaram essa fusão de rock e rhythm and blues. Assim como é difícil filosofar sobre quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, é difícil saber onde um ritmo virou o outro tamanha a intimidade entre eles. A única certeza que temos é que até hoje eles andam juntos e misturados, como num grande caldeirão musical.
Resolvi  ler e conhecer a história do  blues e surgiu meu interesse por esse estilo que até então eu não havia me dado conta de sua beleza. Comecei  ouvindo  compositores assim, digamos... mais palatáveis, mais acessíveis ao grande público,  como todo aprendiz:  BB King , Eric Clapton, Gary Moore.
Não foi suficiente. Meu interesse cresceu sobre o assunto e descobri um mundo ainda mais profundo no blues.  Willie Dixon, Muddy Waters, John Lee Hooker, Buddy Guy.  Diversas linhas dentro de um mesmo grande estilo. A voz rouca, potente, as gaitas, piano e guitarra acústica. O gingado, o swing. Definitivamente ninguém faz blues como eles fazem!
blues nessa época foi meu companheiro de fossa e também de diversão. 
Quer coisa melhor do que afogar as mágoas ouvindo um choroso som? Quem nunca derramou lágrimas pensando no amor não correspondido enquanto ao fundo tocava “I can’t quit you, baby” de Willie Dixon ???
Ou se arrumar para sair curtindo uma levada rock’n’roll? Daquele tipo “Shake it for me” de Howlin’ Wolf? Impossível ficar parado diante de tanto ritmo!

Esse é o grande segredo do blues, ele se encaixa em todas as situações de sua vida que precisarem de trilha sonora, sua melodia é atemporal e onipotente.
E só os negros que mandam bem no blues? Difícil imaginar outra etnia conseguindo alcançar o caminho da alma como eles conseguem. É um privilégio deste povo sofrido, que foi cruelmente escravizado e ainda assim presenteou o mundo com tão eloqüente ritmo.
Clapton e Stevie Ray Vaughan  talvez sejam os brancos “blueseiros” mais conhecidos pelo grande público, mas eu arrisco colocar ainda mais um nome nesta lista.  
Eu o considero como um dos melhores bluesman que já existiram .
Seu nome é Nuno Mindelis. Além de sua competência na guitarra, ainda tem outro grande mérito: adotou o Brasil como pátria e se revelou ao mundo nessa condição. Brasileiro também faz blues e mostra ao mundo que não é pouco! Um motivo de orgulho e tanto para nós!
Atualmente tenho ouvido muito um carinha que se chama Tom Waits. Embora seu estilo não fique restrito ao blues, muitas de suas obras flertam com a sonoridade da música negra que fica difícil definir seu estilo. Mas dá para sentir a inspiração do blues e do jazz.
Ainda sou iniciante nessa arte. Espero aprender muito com Dr. K e suas postagens formidáveis ! O blues revelou meu lado masculino (sim, é um plágio de Dr. K!)  e desde então ele não quer mais adormecer!
Me despeço ao som de “Cocaine” de Eric Clapton
Espero que tenham gostado de minha estréia neste blog e agradeço ao Dr. K a honra de ter-me convidado! 


Flavinha (loustavernproject.blogspot.com)

terça-feira, 8 de março de 2011

A Balada de Bill Black Parte II


Contos do Blues
A Balada de Bill Black parte II

Bill agora com 13 anos freqüentava a igreja com a mãe e as outras famílias todos os domingos pela manhã, onde nunca prestava atenção no sermão do reverendo, até que um dia algo despertou sua atenção: as pessoas começavam a gritar palavras de confirmação e aleluias mais altas do que o normal, então ele parou para ouvir:
- Não podemos aceitar esta imoralidade em nossa comunidade, irmãos! – Bradava o reverendo – Isso é uma pouca vergonha! Aqueles que freqüentarem essa casa serão lançados no fogo do inferno! Aqueles que repudiam e se afastam do pecado é digno dos reinos do céu! – E aleluias mais altas foram ouvidas – Sodoma e Gomorra foram queimadas, assim será essa casa regida pelo diabo! – E mais aleluias – Cuidem de seus filhos e maridos, pois, temos um desafio em nossa frente, assim como Moisés! Não se desviem do caminho! Cantemos irmãos! – E o coral começou a cantar e toda a igreja acompanhando.
No fim da missa, todos saíram comentando sobre a tal casa das mulheres de vida fácil. Inclusive a sua mãe. Isso despertou um enorme interesse em Bill, que como um adolescente normal perguntou a sua mãe o que era.
- É a casa do diabo, meu filho! Lá só tem mulheres demoníacas, homens sem pudor e música do diabo! – Emma parou, olhou bem nos olhos do filho e disse – Me promete que você vai ficar longe de lá!
Bill olhos nos olhos da mãe, mas, a sua curiosidade ficou mais ativa. Porque a mãe está te pedindo para ficar longe? Música do diabo? Mulheres demoníacas?
- Promete Bill! – Emma sacudiu forte o braço do filho.
- Prometo mãe! – Falou Bill tirando o braço das mãos da mãe.
Anoiteceu, e como sempre fazia a noite, Bill se encontrou com Bukka e Paul atrás do pavilhão dos dormitórios, onde eles podiam ver as estrelas e conversar sobre o dia.
- Olha o que eu trouxe hoje! – Paul tirou de seu casaco surrado um tablete de tabaco para mascar, e um rolo de tabaco seco para cigarro.
- Oba! Dá-me um pedaço! – Bukka lascou uma mordida no tablete.
Paul olhou para Bill e percebeu que o amigo estava quieto demais.
- O que foi Bill? Que cara é essa? Mamãe te tratou como bebê hoje de novo? – Paul e Bukka caíram na gargalhada brincando com Bill.
Bill fez cara de reprovação, pegou o rolo de tabaco, e começou a fazer um cigarro de palha.
- Vocês já ouviram falar da casa do diabo? – Perguntou Bill olhando para o horizonte.
Bukka arregalou os olhos, cuspiu o tabaco e disse:
- Mamãe falou para ficarmos longe de lá!
- A minha mãe também! – Falou Paul.
- O que será que tem lá? – Perguntou Bill.
- O diabo, ora!!! – Falou Bukka se levantando.
Todos ficaram e silêncio, Bill acendeu o cigarro, e deu a primeira tragada, passando para Paul.
- Não.... - Falou Bill soltando a fumaça pelo nariz – Lá tem alguma coisa legal!
- Ta louco!!!! – Falou Bukka mordendo outro naco do tablete
Paul puxou o tablete de Bukka e observou o tabaco. – Bukka, não é assim que se masca! Já te ensinei! Isso não é chocolate! Você morde e fica com o pedaço na boca mascando! Você está desperdiçando o fumo! – Paul enrolou o tablete, e pegou o cigarro das mãos de Bill – Porque diz isso, parceiro?
Bill olhou para Paul e Bukka, e apontou para um grupo de cinco homens que passava lá na estrada.
- Eu ouvi dizer que os homens sempre vão nessa casa. E voltam sempre sorrindo e contando que dormiram como bebês a noite, que tal de Bia era muito boa, que a Marlene era legal...
- Tu ta querendo ir lá, Bill? – Perguntou Paul dando um trago no cigarro.
- Vamos lá dar uma olhada? – Falou Bill olhando fixo para o horizonte.
Bukka engoliu em seco, olhou para os amigos assustado...
- E se o capeta estiver lá? – Falou pegando o cigarro das mãos de Paul.
De repente Emma apareceu no início da construção e chamou Bill.
- Vem, Bill! Ta na hora do jantar!
Os garotos jogaram o cigarro aceso fora tentando não deixar Emma perceber que fumavam. Mas...
- Está com essa porcaria na boca de novo, moleque? Passa já pra dentro! – Bradou Emma.
Bukka e Paul saíram correndo na direção oposta em que Emma caminhava para repreender Bill. Mas, antes deles saírem Bill cochichou para os amigos:
- Amanhã aqui as 20:00 h! Nós vamos lá à casa do capeta!
A ansiedade dos garotos foi tamanha que às 19h30min h do dia seguinte todos já estavam no local combinado. Paul descobriu com um dos trabalhadores o endereço da casa do capeta e o nome real de lá: Tia Marlene Barrelhouse.
- Isso fica do outro lado da cidade! – Reclamou Bukka.
- Então vamos, poderemos chegar lá antes das 21h00min! – Falou Bill começando a andar.
Os garotos caminharam até o local que ficava no subúrbio de Clarksdale. A casa era a única no meio da estrada, era muito grande, parecida com um galpão adaptado, tinha uma varanda enorme que cobria os três lados do estabelecimento, grandes janelas de madeira. Na entrada tinha um homem negro muito grande e forte vestindo um terno surrado e um chapéu não menos tratado, que controla quem entrava e saia, às vezes entrava no estabelecimento e voltada segurando algum homem pela camisa, o soltava bruscamente no pátio em frente, e dizia alguma coisa asperamente para o expulsado. Depois voltava para a porta do estabelecimento.
Do lado de fora dava para ouvir música acelerada tocada por uma banda com piano, alguns metais e um contra baixo. As pessoas gritavam e conversavam, e ouviam-se muitas gargalhadas. A luz do lugar era à base de diversas lamparinas espalhadas por todo o recinto.
- No inferno está tendo festa? – Perguntou intrigado Bukka – O reverendo falou que no inferno só tem dor e lamúria!
Bill olhou fixamente para a casa e falou:
- Não me parece o inferno, olha como tem gente... Hei... Aquele que está entrando não é o dono do armazém da cidade? – Apontou para um grupo de três homens que estava entrando na casa, foram barrados pelo gigante na porta que recebeu duas notas de dinheiro que não foram identificadas, e entraram no lugar com os cumprimentos do grande homem na porta.
- Hiii, olha lá o barbeiro senhor Wilson! – Falou Paul apontando para outro grupo de homens entrando.
Os garotos entreolharam-se e encararam o grande galpão mais uma vez. E enquanto o tempo passava mais alta a musica e as risadas ficavam.
- Vamos entrar! – Chamou Bill puxando os amigos.
- Eu não!!! - Falou Bukka dando um passo para trás. – Lá dentro ta o pemba!!!
Bill puxou Bukka pela mão e disse:
- Vamos lá, ta todo mundo entrando! Ta todo mundo rindo! Vamos ver o que tem lá!
Bukka cedeu ao amigo e os três foram caminhando até porta, em direção ao gigante porteiro. Quando chegaram à porta o gigante parou em frente dos garotos e cruzou lentamente os grandes braços. Os garotos imediatamente pararam. Bukka ficou atrás dos amigos. E o gigante disse com uma forte foz e feições sérias.
- O que fazem aqui moleques?
- Nós queremos entrar! – Falou Bill olhando para o homem.
O porteiro ficou calado olhando para os garotos, e de repente soltou uma gargalhada forte, que os assustou.
- Vocês sabem o que tem aqui dentro? Falou o homem se divertindo com a ingenuidade dos meninos.
- Aqui é o inferno? Perguntou Bill olhando para o homem.
O porteiro soltou outra gargalhada mais forte e soltou os braços.
- Não, garoto! Aqui é o Paraíso! – Se divertindo o homem se apresentou – Eu sou o Big Norton, o porteiro e Leão de Chácara! – Estendeu a mão para Bill em um cumprimento.
            - Eu sou o Bill, este é Paul e aquele é o Bukka! – Falou Bill cumprimentando o homem. – Podemos entrar? Queremos ver o que tem aqui!
            Big Norton gargalhou de novo.
            - Amiguinhos, não posso deixá-los entrar! Não têm idade para verem o que tem aqui!
Então Bill pegou um cigarro de palha do bolso e mostrou ao porteiro.
- Não sou criança! Já sei fumar!
Big Norton de tanto rir recostou se na parede.
            Dentro do lugar as pessoas ficaram em silêncio, e uma voz de longe falou alguma coisa sobre o grande músico que iria se apresentar agora, e em seguido ouviu-se um longo aplauso e novamente silêncio.
            - O que está acontecendo? – Perguntou Bill.
            - Eu gostei de vocês! Querem dar uma espiada? Agora vai se apresentar um grande tocador de blues! Seu nome é Crazy Dog Murphy! – Perguntou o porteiro abrindo um pouco a porta e deixando os três garotos se aproximarem.
            Bill foi o primeiro a olhar e o que viu... Nunca mais sairia dele. Era no fundo um palco de madeira em que um negro bem vestido em um terno de bom corte com um chapéu muito elegante, tocando um violão, o lugar era cheio de mesas e cadeiras, todas tomadas por diversas pessoas, à maioria homens. Tinha diversas mulheres, a maioria com parte das roupas apenas, umas sentadas nos colos dos homens, outras abraçando outros homens, umas sentadas em cima do balcão, que era enorme e ficava do lado esquerdo. Deu para ver o segundo andar, que tinha um mezanino com várias portas de quartos. Tudo chamou a atenção... mas, a música marcou Bill.
            - Que música é Big? – Perguntou Bill
            O gigante sorriu e disse ao garoto.
            - Isso se chama blues, amiguinho!
            Bill ficou perplexo com o músico, sua voz, suas roupas, a admiração das pessoas por ele... o lugar que fervia de energia e alegria, coisa que ele poucas vezes viu... e a música... bela...contagiante.
            - O blues te pegou? – Perguntou Big Norton.
Bill não respondeu, continuou a prestar atenção ao lugar e a música.
Então o porteiro fechou a porta.
- Nos deixe entrar Big! – Implorou Bill.
- Não posso garotos! Aqui criança não entra! – Big cruzou os braços novamente – Quando forem maiores terei o prazer em abrir estas portas para vocês, mas, agora não!
- E a música, Big? – Perguntou Bill.
- É o blues, garoto! Essa é a nossa música, música preta, música boa! – Falou Big sorrindo. – Agora vão para casa! Tenho que trabalhar, as meninas da tia vão subir no palco depois do Crazy Dog, e os homens já estão bêbedos! Vão para casa!
Os garotos voltaram para a estrada. Mas, o lugar, o ambiente e a música não saíram do imaginário de Bill.
Continua...