sábado, 28 de maio de 2011

A Balada de Bill Black parte III


A Balada de Bill Black parte III

São cinco horas da manhã, e o apito do capataz já soou pela terceira vez, significa que os trabalhadores em fila indiana deveriam começar a caminhada em direção as plantações.
            Bill não dormiu a noite, ficou deitado em seu colchão de palha apenas olhando para o teto, relembrando cada detalhe do que ele tinha visto na Tia Marlene Barrelhouse. E já preparou o plano para o dia seguinte, pois ele tinha que entender o que era aquela casa, e principalmente aquela música que estava tocando.
            Antes do amanhecer Bill se levantou, foi até o fogão de lenha e tomou seu café preto com melado e um pedaço de bolo de milho que a mãe tinha preparado para ele. Era assim toda a manhã, ele levantava a sua mãe já tinha saído para a casa dos senhores e deixado o café matinal para Bill poder fazer o desjejum e ir para o trabalho.
            Mas, Bill havia decidido que aquele dia seria um dia diferente, ele fez tudo como sempre, vestiu sua roupa de trabalho, calçou as botinas já gastas e furadas, pegou a sua foice e foi para fora, onde no pátio todos os trabalhadores esperavam o momento de caminhar.
            Após o apito do capataz as pessoas começavam a caminhar em direção a estrada, e geralmente o primeiro da fila começava a cantar uma canção de uma estrofe, e os demais respondiam em uma próxima estrofe, eram as conhecidas canções de trabalho.
            Bill não se aproximou de Bukka nem Paul que estavam um pouco mais a frente, preferiu ficar entre os últimos. O céu começou a clarear, mas, ainda dava para ver nitidamente as estrelas e a lua.
            De repente, quando a longa fila de trabalhadores entrou na estrada, Bill saltou para fora da estrada e correu o máximo que pôde para ninguém o ver. Ele fez isso, pois a sua conta no armazém da fazenda estava alta e se descobrissem que ele não estava trabalhando, teria que pagar uma multa e não receber alimentação ou água.
            Bill correu até perceber que ninguém o havia seguido ou notado a sua falta. Nesse momento passou pela cabeça que mais cedo ou mais tarde na hora da chamada no campo, o capataz notaria a sua falta, e provavelmente iria anotar suas falhas, e sua conta no armazém aumentaria. Mas, também se lembrou que nunca conseguiu pagar a conta... Alias ninguém nunca conseguiu pagar a conta do armazém. Isso o deu mais coragem para seguir em frente para a saída da cidade.
            Bill chegou a Tia Marlene Barrellhouse já era dia, mas, o lugar estava fechado, todas as janelas e portas trancadas. Bill entrou na varanda do estabelecimento, mas, não encontrou ninguém para atendê-lo, não avistou o Big Norton. Resolveu então dar a volta no galpão. Do outro lado encontrou uma senhora lavando diversos lençóis e roupas de cama. Do seu lado tinha um tonel de água fervente aquecido por uma fogueira pequena acesa por baixo, onde essa senhora mergulhava as roupas com um pedaço de galho de arvore e retirava as roupas quentes e estendendo-as. Bill se aproximou, e a senhora o olhou fixamente.
            - O que está fazendo aqui garoto? – Perguntou a senhora ajeitando o lenço branco na cabeça.
            Bill se aproximou.
            - Estou procurando aquele moço que tocou aqui ontem. – Disse Bill timidamente.
            A senhora ajeitou o lençol para secar, retirou um pouco do suor da testa e disse:
            - Aquele vagabundo do Murphy? – O semblante da senhora mudou completamente – Garoto, sua mãe sabe que você está aqui?
            Bill não queria falar sobre isso, mas, pela educação recebida respondeu:
            - Não, eu fugi e vim pra cá.
            A lavadeira colocou as duas mãos nas costas e disse:
            - Tu queres aprender a tocar blues?
            Bill ficou espantado com a pergunta da lavadeira, como ela sabia? Ele não havia dito isso a ninguém!
            -Sim! Como à senhora sabe?
            A lavadeira se aproximou de Bill e colocou a sua mão direita em seu ombro.
            - Meu filho, já sou guerreira velha! Vejo nos olhos da pessoa o que ela deseja! E afinal, o que uma pessoa iria querer com aquele vagabundo? A única coisa que ele pode fazer é ensinar a tocar alguma coisa! – A lavadeira olhou fixamente nos olhos de Bill – Vou te ensinar o primeiro segredo do mundo, menino! Se quiser tocar blues, tenha maldade!
            - Eu preciso ser mau, pra tocar blues? – Perguntou intrigado Bill.
            A lavadeira caiu na gargalhada e completou:
            - Garoto, maldade é saber aonde você vai, em quem confiar como fazer as coisas... Isso é maldade, ou seja, ser esperto! Por exemplo, não confie cegamente em Murphy! Aquele é macaco velho! Vai querer explorar de você! Te tirar tudo! – A lavadeira fez uma pausa e fixou o olhar novamente – Faça o contrário! Deixe-o pensar que está controlando você, enquanto você tira tudo que pode! – E piscou para Bill.
            Bill ficou calado, mas, absorveu todas as palavras da sábia senhora.
            A lavadeira então, apontou para os fundos do galpão.
            - A primeira porta dos fundos é o quarto dos músicos que passam a noite aqui na Tia Marlene. – A lavadeira fez uma cara de nojo – Ele está lá. Lembre-se: seja esperto!
            Bill agradeceu aos conselhos e caminhou em direção aos fundos do galpão, antes de chegar lá ele ouviu de longe em quase um grito a velha lavadeira mais uma vez:
            - Eu havia me esquecido, não o acorde! Aquele cachorro é capaz de bater em qualquer um que interrompa o seu sono! Deixe-o levantar primeiro!
            Bill caminhou até o local indicado pela senhora, e tudo ainda estava fechado. Seguindo o conselho Bill procurou uma sombra em uma arvore próxima e sentou, ficando de frente para a porta, mas, bem distante, de forma que ninguém o via.
            Ele acabou relaxando e adormecendo.
            Bill acordou assustado com um barulho de porta sendo esmurrada e alguém gritando:
            - Vamos levantar Crazy Dog! – Aquela voz não era estranha para Bill – Já é meio dia! E a Tia Marlene não vai te pagar o almoço hoje, nem a sua estadia aqui! Você já recebeu tua grana, bluesman! Ta na hora de voltar para a estrada!
            Bill se levantou e olhou para um gigante que estava na porta do músico o acordando, era Big Norton, então se aproximou e ouviu o músico dizendo:
            - Grande Norton, estava apenas descansando esta carcaça, meu caro! Já estou de saída, mas, o trem só passa na cidade ao anoitecer, me deixe preparar minha saída com calma! – O bluesman se levantou e vestiu as calças.
            - OK, meu velho amigo, pode ficar até a noite, mas, lembre-se, Tia Marlene não tem compromisso com você! Fique por sua conta! – Big Norton se virou, e quando já se preparava para voltar se deparou com Bill – Garoto Bill!? O que você faz aqui?
            Bill se aproximou um pouco mais para falar com Big Norton e olhou dentro do quarto onde Crazy Dog Murphy já se levantara e se preparava para barbear.
            - Quero pedir ao seu Murphy para me ensinar a tocar blues. – Disse Bill calmamente ainda observando o interior do quarto.
            Big Norton soltou outra gargalhada estridente, e repousou a mão direita no ombro franzino de Bill, e gritou para dentro do quarto.
            - Hei velho rabugento! Venha cá.
            Demorou um pouco até que Murphy saiu, depois de outra insistência de Big Norton.
            - Pois não, Norton? – Murphy era um negro que aparentava ter em torno de 60 a 65 anos, apesar de ter exatos 40 anos, muitos cabelos brancos, olheiras profundas, muito magro, mãos com dedos longos, estava vestindo uma camiseta branca suja de molho de macarrão, e calça amarrotada de um terno risco de giz.
            Big Norton se aproximou de Crazy Dog Murphy.
            - Ei, malandro! Este garoto quer aprender blues! Seja legal com ele, ou então meus braços não serão legais com você! – Big Norton deu dois tapinhas no rosto de Murphy – Este moleque te viu tocar, e virou fã do blues! Se não quiser ensina-lo  um pouquinho é seu direito, e apenas dispense o rapaz, mas se for ensina-lo... tome conta da cabeça dele também! Você sabe do que estou falando!
            Murphy olhou para Bill com admiração, e estendeu a mão para cumprimenta-lo.
            - Meu caro, Norton, somos conhecidos desde crianças, estou precisando de um auxiliar...ele pode me acompanhar e eu o ensinarei a tocar! – Murphy apertou a mão de Bill – Olá garoto, qual o seu nome?
            Big Norton interrompeu os cumprimentos.
            - Ei Murphy, nada disso! Nada de levar o garoto para a estrada! É só ensina-lo alguns acordes e só! Ele tem família aqui!
            - Ora, meu caro, ele vai comigo se quiser! Já é homem! Não é, Bill?
            Bill ficou empolgado com a idéia de viajar com Crazy Dog Murphuy.
            - Não, Murphy! – Disse com ar de seriedade Big Norton – Não ensine essa vida para o garoto! Apenas a música!
            Murphy sorriu e fez um sinal positivo com a cabeça.
            Big Norton ainda desconfiado se despediu e saiu, pois tinha muito a fazer naquela tarde até a hora das portas da Tia Marlene Barrelhouse se abrirem novamente.
            Murphy e Bill se cumprimentaram calmante, e Bill contou que o assistiu na noite passada e que ficou fascinado pela música que ele havia tocado.
            - Que bom garoto! Que bom! Mas, no blues cada lição tem seu preço e cada músico tem um nome que merece. Você está começando agora...- Murphy pensou, sentiu o estômago apertar de fome...- Vamos começar... quero que me arrume um prato grande de comida para almoçar!
            Bill estranhou o pedido, pois imaginava que iria pelo menos tocar no instrumento musical de Murphy, e perguntou porque.
            - Jovem... no blues tudo tem seu preço, me traga um prato de comida... e vamos começar! OK?
            Bill saiu então a procure de um prato de almoço para Murphy...
            40 minutos depois, o garoto voltou com dois pratos envolvidos em um lenço de pano.
            - Muito bem, garoto – Você conseguiu não só um, mas, dois pratos! – Murphy tentou pegar os dois pratos, mas, Bill o entregou apenas um, e deixou o músico intrigado.
            Bill olhou para Murphy calmamente, abriu o pano dos pratos, pegou a colher e começou a comer.
            - Eu pago pra você me ensinar...mas, eu trabalho só pra mim! – E deu a primeira colherada.
            Murphy começou a gargalhar, pela primeira vez sentiu uma simpatia pelo garoto.
            - Muito bem, jovem! Já aprendeu a primeira lição! – Murphy também começou a comer – Agora, se você quer aprender o blues.... tem que pegar a estrada! Viajando se aprende onde tocar, como tocar nestes lugares, ter contato para se apresentar.
            Bill parou de comer e olhou para a estrada.
            - E como vamos fazer isso sem dinheiro?
            Murphy deu uma colherada no prato, se recostou na parede do quarto.
            - Isso é na estrada onde se aprende, garoto! Um músico tem que saber se virar, saber viajar sem grana, saber chegar no seu destino de qualquer jeito! Como conseguiu esta comida?
            - Pedi aquela senhora que lava roupas aqui... disse que era pra mim e pro meu pai.
            Murphy gargalhou mais uma vez.
            - É disso que estou falando, garoto! Você tem a alma do blues! Estou de partida esta noite. Venha comigo e te ensino os blues e como viver os blues!
            - Mas, não tenho dinheiro! – Disse Bill desanimado.
            - Mas, você tem o coração! – Murphy se aproximou de Bill – Seu coração é a sua esperteza! E ele te leva pra qualquer lugar! E te ensinarei a usar sua esperteza! – E deu outra colherada na comida.
            Bill ficou pensativo por 15 minutos.
            - Eu vou!
            - Bom!!!! – Exclamou Murphy dando outra colherada – Te espero as 22:30 hs no pátio de transito das máquinas de trem, atrás da estação, atrás da caixa d’agua da Central!
            - Certo! – Bill se levantou e quando estava saindo para preparar suas coisas Murphy o interrompeu.
            - Ei, garoto! – E deu outra colherada – Você precisa de um nome!
            Bill não entendeu, afinal seu nome era Bill Black.
            - No blues temos nossos nomes do “blues”!
            - Mas, meu nome é Bill Black.
            Murphy olhou fixamente para Bill, deu outra colherada no resto da comida.
            - É um nome legal... mas, a partir de hoje você se chama Novato!
            - Novato? Que nome ruim!!!
            - Mas, é o que você é... o Novato do blues! Muito bem, Novato! Te espero como combinado!
            Bill saiu e correu para sua casa, e passou a gostar do seu nome apelido depois que foi explicado por Murphy.... Novato!



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Robert Johnson: Eu e o Diabo Que Me Carregue - Por Márcio Ribeiro


A política deste blog é publicar apenas matérias originais. Mas, devido ao alto nível de informação contidos neste artigo de um dos mais enigmáticos músicos de blues, resolvemos fazer uma importante exceção para este texto originalmente publicado no site www.whiplah.net. Sei que nossos leitores ficarão satisfeito com o artigo assim como nós da sociedade ficamos. Abraços e boa leitura!
Robert Johnson
E assim conta a lenda... Em uma noite sem lua, após um dia comum, um negro jovem chamado Robert Johnson aguarda calado, com seu violão em mãos, junto a uma encruzilhada em Dockery’s Plantation, em Mississippi. Quando deu meia noite, um homem aparece descendo a rua em direção ao cruzamento. Robert começa então a tocar seu violão da melhor maneira possivel, porém o pobre rapaz é tão fraco, que dá até dó de se ouvir. O homem ao se aproximar estende a sua mão, como quem pede que o violão seja lhe entregue. Com mãos trêmulas e suando frio, Robert lhe passa o instrumento, e esse homem misterioso então passa a afiná-lo.
Quando satisfeito com a afinação encontrada, o homem começa a tocar algumas canções. Em dado momento, sem mais nem porque, ele pára de tocar. Olha para o jovem a sua frente com um sorriso repleto de satisfação, e lhe devolve o instrumento agora ‘afinado’. Robert Johnson então começa a tocar, e o faz agora com uma extrema facilidade que nunca lhe foi possível. E doravante, todos aqueles que o escutam, ficam imediatamente encantados pela sua música. Robert Johnson acaba de vender sua alma pro diabo em troca da fama de ser o melhor instrumentista que se tem noticia.
É uma estória que cruza elementos de Faust com O Flautista Mágico (aquele que se livrou dos ratos de um vilarejo encantando os roedores maléficos ao tocar sua flauta).
Muddy Waters conta que a única vez que viu Robert Johnson foi em Friars Point, Mississippi, em frente à drogaria local chamada Hirsberg’s Drugstore. Os pedestres lhe cercaram para ouvir e Muddy Waters, então com quase vinte anos de idade, se meteu lá no meio tambem. Contudo, Waters conta, Robert Johnson tocava o violão com tamanha ferocidade e maestria, que ele ficou extremamente intimidado por este bluesman mais velho, e logo foi embora.
Eu tenho ouvido muito blues esses dias; em particular Robert Johnson. No meu entender, Robert Johnson é o nome mais famoso dentro do gênero blues, mais graças à sua lenda de ter vendido a sua alma pro diabo do que pelas proezas registradas em suas gravações que, por sinal, até os anos noventa, eram dificílimas de serem encontradas, portanto até quem se interessava encontrava dificuldades em achar para ouvir. Eu estava na escola quando ouvi o nome de Robert Johnson pela primeira vez. Era aula de música e quanto a biografia deste músico, o professor sabia o mesmo que aparentemente todo mundo sabia, ou seja, só a lenda. E a minha turma da sétima série colegial ouvia com curiosidade juvenil o professor contar que "Após vender sua alma pro diabo, Robert Johnson passou a encantar o povo da região do delta do Mississippi tocando e cantando suas músicas. A outra fama desse homem era de que ele era extremamente mulherengo. Fato que o levou a ser morto; ou por um marido enciumado, ou mulher enciumada; que o matou ou a bala, a faca, ou possivelmente envenenado. Enfim, ninguém sabe ao certo."
Imaginem o fascínio que tais imagens podem criar em uma audiência tão jovem. E mesmo depois de adulto, continuava sendo essencialmente essa estória a única informação básica que se encontrava sobre este homem. Hoje em dia, certamente dada a facilidade com que informação se espalha geograficamente através da internet, já se sabem fatos mais concretos sobre quem era o homem Robert Johnson. Documentos como duas certidões de casamentos, alguns registros escolares, um atestado de óbito e alguns poucos memorandos de uma gravadora já foram encontrados. Procurou-se parentes vivos, vizinhos e músicos que os conheciam, tendo os seus testemunhos gravados ou anotados. Tudo para tentar-se compreender mais sobre o homem atrás do mito. Contudo, como Johnson viveu uma vida andarilha solitária, é impossivel saber com exatidão tudo que ele fez e todos os lugares por onde ele andou.
Fui direto ao Google vasculhando pela web buscando informações sobre o homem versus a lenda e o que achei de melhor foi um texto no Wikipedia escrito em inglês. A versão em português, no meu entender, se prende mais sobre os feitos do músico do que do homem. Achei que faltava na grande rede um texto em português mais completo como existe em inglês. Juntei informações essencialmente de dois textos encontrados na grande rede, verifiquei detalhes sobre certas informações em diversos sites diferentes e, com base nessas anotações, comecei então a escrever. Este texto que você lê aqui e agora não pretende ser a última palavra sobre a vida de Robert Johnson. Procura apenas contar um pouco mais sobre a sua história em um texto em português.
E tratando-se de um personagem com uma vida tão desassosegada como a de Robert Johnson; não é que tudo começou com uma tremenda briga…
Era uma vez um negro forte e inteligente chamado Charles Dobbs, nascido em fevereiro de 1865; apenas dias depois do Congresso Americano autorizar o anexo à Constituição que tornava lei a abolição da escravatura nos Estados Unidos (argumenta-se que sistemas de trabalho forçado praticados contra negros persistiram e eram na prática formas de escravidão em tudo menos no nome, mantendo-se em exercício principalmente no estado de Alabama até 30 de junho de 1928). Dobbs era um carpinteiro habilidoso, começando a vida ganhando dinheiro fazendo, montando e vendendo móveis. Com a devida disposição para trabalhar duro e tendo bons instintos e bom senso com dinheiro, conseguiu se tornar dono de terras em Hazelhurst, no condado de Copiah, no estado de Mississippi. Dobbs passou então a trabalhar na sua plantação de algodão e mantê-la lucrativa.
Em 1889, casou-se com a jovem e bela Julia Ann Majors, onze anos mais nova, e com ela teve dez filhos; oito meninos e duas meninas, que invariavelmente o ajudavam trabalhando e mantendo a fazenda produtiva. Seu sucesso e prosperidade como fazendeiro incomodava outros fazendeiros da região, muitos deles antigos donos de escravos. Portanto, deduza-se que a relação com a vizinhança e/ou concorrência, dependendo de como quiser ver a questão, não era das mais harmoniosas para o Sr. Charles Dobbs. De fato, em uma briga com outro fazendeiro, esse um homem branco, que ocorreu provavelmente por volta de 1907, o Sr. Dobbs deu uma surra em seu oponente, supostamente o ferindo bastante. Isso criou uma situação difícil pro Sr. Dobbs que teve que sair fugido de Hazelhurst para nao acabar linchado e enforcado em uma árvore.
Robert Johnson
Charles Dobbs sumiu da região, seguindo para o norte e se instalando em Memphis no estado de Tennessee, utilizando agora o nome de Charles Spencer. Sua esposa, Julia Major Dobbs ficou em Hazelhurst, e, no espaço de tempo de aproximadamente dois anos, mandou um a um os oito filhos para Memphis morar e trabalhar com o pai, ficando ela com as duas filhas. Agora vivendo vidas separadas, Charles passou a morar com uma outra mulher e Julia, igualmente, passou a morar com um outro homem; esse, chamado Noah Johnson que trabalhava nas lavouras da região como mão-de-obra. Com Noah, Julia teve mais um outro filho homem que foi chamado de Robert Leroy Johnson.
Pesquisadores em geral elegeram a data de 08 de maio de 1911 como a data de nascimento de Robert Johnson, porém a verdade é que ninguém sabe com certeza absoluta. Embora a data de 08 de maio seja reincidente em mais de um documento e portanto parece ser mais segura, a dúvida reside no ano. Não se encontra sua certidão de nascimento e cogita-se que ele possa nunca ter tido uma.
A verdade é que não era incomum para a época, considerando o nível de pobreza da região no chamado cinturão de algodão, o pior do país, criança nascer e ser registrada com data errada um ou dois anos depois do fato. Em termos de documentos, o que se encontrou foi a data de seu nascimento segundo o registro na escola primária, certidão de seu casamento e sua idade no atestado de óbito. Acontece que cada um destes documentos oferecem um ano diferente. Expecula-se que Robert Johnson pode ter nascido entre 1909 e 1912. Porém o consenso é de que provavelmente foi em 1911.
Em 1914, Julia, já sem a companhia de Noah Johnson, se muda com as duas filhas e o pequeno Robert para Memphis indo morar novamente com seu marido Charles Dobbs, agora Charles Spencer; reunindo-se novamente com seus oito meninos. Na casa também morava a amante de Charles e os dois filhos que ele teve com ela. Segundo consta, todos se davam bem, porém obviamente Julia não ficou por muito tempo, se mudando logo dali deixando todas as suas crianças, incluindo o pequeno Robert para ser criado por Charles. Ao que se saiba, Charles teve problemas em lidar com este seu novo filho-de-criação, vendo Robert Johnson, que passou a ser conhecido como Robert Spencer, como um menino pouco disciplinado.
Levaria outros dois anos até Julia reaparecer em Memphis. Veio precisando da permissão de Charles para poder se casar novamente; agora com um jovem rapaz vinte e quarto anos mais novo do que ela chamado Willie ‘Dusty’ Willis. Pouco depois, Robert foi viver com o novo casal. Moravam inicialmente em uma favela chamada Commerce, que fazia parte da Leatherman Plantation, perto de Robinsonville em Mississippi. Lá, Robert passava a ser conhecido como Little Robert Dusty pela vizinhança. Porém quando foi matriculado na Indian Creek School na cidade de Tunica, Arkansas, no ano de 1919, seu nome constava como sendo Robert Spencer. A essa altura, o casal Willie e Julia mais o pequeno Robert fixam-se em Lucas, ainda em Arkansas, vivendo como a maioria, basicamente do trabalho na lavoura.
Em tempo, Julia ficaria grávida novamente e teria uma filha com Dusty. Ao que parece, não se encontram registros escolares de Robert entre os anos de 1925 e 1926, o que reforça a teoria de que aos quatorze anos ele fora mandado de volta para a casa de Charles Spencer em Memphis. Charles coloca o garoto para trabalhar na plantação, tentando entre outras coisas, passar para o filho-de-criação noções sobre o valor de se trabalhar duro para poder colocar comida na mesa. Spencer porém se frustava com o garoto pois Robert pouco interesse mostrou pela vida dura na lavoura colhendo algodão. Johnson passava a maior parte do seu tempo tocando gaita, instrumento que ele aprendeu a dominar relativamente bem. O adolescente Robert Johnson, com gaita na mão, instintivamente vê a música como o seu único caminho para fugir da vida no campo. Retornando à casa da mãe em 1927, novamente na região de Robinsonville no Mississippi, Robert compra o seu primeiro violão. Se esforça para conseguir aprender a tocar o instrumento direito, mas segundo o que se comenta, o jovem era ruim ao ponto de incomodar os vizinhos.
Desde muito cedo, em parte por conta de sua situação de filho bastardo, Robert teve que se passar usando vários nomes diferentes. Vão desde Robert Spencer, Robert Dobbs, Robert Dusty; e depois já como andarilho, dependendo da amante e da região, Robert Moore, Robert Barstow e até Robert James. Essas variações de identidade fazem com que fique ainda mais dificil mapear as andanças do músico. Especula-se que por idolatria a Lonnie Johnson, Robert passaria a se apresentar como sendo Robert Lonnie – um dos irmãos Johnson (Lonnie Johnson tinha onze irmãos); até que, já ao fim dos dezoito anos, finalmente passou a usar o seu verdadeiro nome, Robert Johnson.
Negro bonito, porém tímido, aos dezoito anos se apaixona por Virginia Travis de desesseis anos, casando com ela em 16 de fevereiro de 1929. Sem teto próprio, o jovem casal passa a morar com a meia-irmã mais velha, Carrie Dobbs. Seu coração continuava na música e qualquer tempo livre que tinha, estava ele cantando e arranhando no seu violão. Porem, pelos proximos dois anos, Robert Johnson era essencialmente um fazendeiro, trabalhando duro no campo colhendo algodão. Em agosto de 1929 sua mulher Virginia ficou grávida, notícia que traz muita felicidade para a vida de Robert. Porém a tragédia estava a espreita e no dia 10 de abril de 1930, tanto Virginia quanto a criança morrem durante o parto. A familia de Virginia Travis culpa Robert, acusando o seu gosto por cantar canções seculares (profanas) como sendo uma provocacão a Deus passível a esse tipo de castigo divino, que na cultura da região é descrito como ‘vender a alma para o Diabo’. E Robert, abatido e tristonho, aparentemente aceitou a acusação e a culpa, sem negar.
É depois desta tragédia que Robert passa a deixar o trabalho no campo de lado, e passa a investir em ser músico em tempo integral, frequentando bares e inferninhos, buscando observar e aprender a tocar melhor o violão. Porém Robert, que praticamente abandona por completo a gaita, é ainda muito fraco como instrumentista para conseguir ganhar dinheiro. Procurou um respeitado bluesman que morava em Robinsonville chamado Willie Brown e esse lhe abre os ouvidos para o blues de Charley Patton, o maior nome do delta Blues da época. Por coincidência, justamente nesse periodo, o já conhecido e respeitado bluesman Son House, recém saído da famosa penitenciária Parchman Farm, aparece na cidade para se alojar com o seu amigo Willie Brown. Robert procura forjar amizade e frequenta todas as apresentações da dupla Son House e Willie Brown, se convidando a tocar com eles mas sendo seguidamente recusado.
Johnson busca aprender tudo que puder vendo o mestre e de início, Son House até mostra paciência com o rapaz e chega a chamá-lo de um bom menino, porém músico fraco demais para acompanhá-los. Pelo que se conta, Johnson persiste em tentar convencer Son House a lhe dar aulas, porém o resultado é que House se irrita com o garoto arranhando as cordas tão grosseiramente, e o rotula de caso perdido e põe o rapaz pra correr. Robert Johnson, vendo que não tinha mais como aprender com Son House ou Willie Brown, acaba por deixar Robinsonville por completo, perambulando pelas estradas vizinhas.
Robert Johnson e Johnny Shines
Sem ninguém prever, muito menos ele mesmo, Robert Johnson dá seus primeiros passos em direção ao tipo de vida andarilha que para sempre será associado a seu nome e sua imagem. Ele só retornaria a Robinsonville novamente dentro de aproximadamente dois anos, já executando com maestria músicas no seu violão. Não por coincidência, segundo a lenda, é nesse ínterim que Robert Johnson teria vendido sua alma pro Diabo. Pelo o que se sabe, Johnson teria primeiro caminhado pro sul perambulado pelas cercanias de Hazelhurst onde nasceu, supostamente a procura de Noah Johnson, seu verdadeiro pai. Não se sabe se ele o encontrou, porém Robert definitivamente encontrou o que ele mais precisava naquele ponto e sua vida; ou seja, alguém que lhe dedicaria o devido tempo para ensiná-lo a melhorar como instrumentista.
Passando por Crystal Springs, cidade vizinha a Hazelhurst, Robert Johnson conhece e faz amizade com Tommy Johnson, outro bluesman de expressão que já tinha gravado um número de discos e sendo conhecido por suas acrobacias com o instrumento; como tocar seu violão entre as pernas ou por detrás da cabeça. Agora, com a queda da Bolsa de Valores e o inicio da Grande Depressão, os convites para gravar discos secaram, o que faz Tommy Johnson retornar a sua terra natal em Crystal Springs. Ele vive agora catando algodão durante época de colheita e tocando ao vivo pela vizinhança à noite nos fins-de-semana. Tommy Johnson também é notório por dizer que negociou sua alma com o velho Scratch (o diabo) na encruzilhada perto de uma das plantações de algodão da Dockery Farms.
Segundo se especula, foi Tommy Johnson quem ensinou Robert Johnson como e onde fazer o seu famoso pacto. O que se verifica é que, andando sozinho pelas estradas do mundo, indo e vindo de espeluncas freqüentadas por todo tipo de gente, ser conhecido por ter o Diabo como seu benfeitor lhe dá um certo senso de proteção. Superstição ainda faz uma grande parte da cultura geral da época e um rufião de maus intentos, é mais apto a evitar se meter com você se todos acreditam que ele é um protegido de Satanás. Essa mentalidade, e no caso, o raciocínio por detrás dela, provavelmente foi passado a Robert por Tommy, e ajuda a explicar porque Robert Johnson nunca fez nenhuma objeção contra a acusação dele fazer um pacto com o mal. Muito pelo contrário, compôs canções como "Me And The Devil" que ajudaram a concretizar tal suposição.
Tommy Johnson o leva a Martinsville para lhe apresentar aos irmãos Ike e Herman Zimmerman, ambos tidos como bons instrumentistas. Robert Johnson acabaria se instalando em Martinsville, onde Ike passa a levá-lo quase toda noite para o cemitério onde juntos, tocam até altas horas da noite sem ouvir reclamação de ninguém. Dentro desses quase dois anos residindo em Martinsville, Robert engravida uma menina chamada Vergie Mae Smith e mais tarde, casa em maio de 1931, com Caletta Craft, uma senhora de trinta e poucos anos, cerca de dez anos mais velha do que ele e mãe de três crianças pequenas. Calle, como era chamada, seria o protótipo da mulher que Johnson geralmente almeja para relacionamentos. Mulheres que não eram feias, porém não muito vistosas, portanto sem muita concorrência, a quem ele oferece sua atenção e carinho e elas dão casa, comida e roupa lavada. Em alguns casos, até uns trocados também. Johnson se mudaria para Clarksdale com Calle e suas crianças em 1932; porém o relacionamento desanda e quando ela fica doente, ele pega o violão e a estrada, efetivamente abandonando-a. Robert Johnson nunca mais ficará vivendo no mesmo lugar por muito tempo.
Fala-se que o poder de Robert Johnson de absorver a técnica e estilo de quem ele observa era impressionante. Supostamente, Robert aprende de você e depois acaba tocando o seu estilo melhor do que você. Nao há registros sonoros de Ike Zimmerman para poder-se determinar quão evoluido no instrumento ele realmente era para poder ensinar Robert Johnson a tocar como ele passou a tocar. Todavia, o fato é que, quando Robert Johnson retorna para Robinsonville em meados de 1932, ele já é um músico muito superior do que quando deixou o lugar em 1930. Ele reencontrou com a dupla Son House e Willie Brown em Banks, Mississippi. Dessa vez porém, segundo o que se conta, quando Johnson tocou para o povo local, Son House e Willie Brown ficaram de queixo caído. A ele finalmente foi permitido tocar com o duo, o trio tocando juntos nas redondezas e depois viajando juntos até Memphis, Tennessee. Son House em entrevista teria dito categoricamente que Robert Johnson se mostrava muito mais evoluido no instrumento do que ele mesmo. E que a única maneira que se explica de alguem passar de tão medíocre a tamanha maestria em tão pouco tempo, é se ele foi para a encruzilhada vender a alma pro Demônio. E assim o boato se espalhou.
Deste ponto da história, conseguir mapear os caminhos de Robert Johnson com exatidão torna-se impossível. Sabe-se que ele deixou o Delta e rodou caroneando via trem, carro ou caminhão pelos centros e cidadezinhas do Mississippi e Alabama. Johnson encontra e faz amizade com Johnny Shines, esse ainda menino sonhando em conhecer o mundo tocando blues. De tanta admiração pela capacidade musical de Johnson, Shines passa a segui-lo pela estrada na medida que Johnson permitia. Shines confirma que, com Robert Johnson, ambos tocaram em cidades ainda mais distantes chegando a Chicago, Detroit e até atravessando a fronteira indo parar em Windsor, Ontario, no Canadá. Retornam aos Estados Unidos seguindo leste até parar em Nova York.
Enquanto em Detroit, Robert Johnson e Johnny Shines participam como duo tocando no programa de rádio local The Elder Moton Hour em 1937. Embora essencialmente um artista solo, no sentido mais simples do termo, Robert Johnson também se apresentou junto com outros músicos como Willie Borum em Memphis no estado de Tennessee (1932); Henry Townsend em St. Louis no estado de Missouri (1935); e com Johnny Shines viajou por todos os estados paralelos ao Rio Mississippi chegando até o Canadá e depois seguiu leste até a costa durante os anos de 1934 e 1937. Tocou em uma variação de formações com um grupo de bluesmen compostos por Alex Miller (Sonny Boy Williamson II), Howlin’ Wolf e Elmore James, em várias cidades espalhadas pelo estado de Mississippi entre 1937 e 1938; e com David ‘Honeyboy’ Edwards em Mississippi em 1938.
Através de relatos, podemos concluir que Robert Johnson tenha tocado em lugares espalhados pelos estados de Mississippi, Tennesee, Arkansas, Texas, Kentucky, Indiana, Michigan, Missouri, Illinois, Ohio, New Jersey, e New York. É igualmente provável que Johnson também tenha passado por outros estados americanos, principalmente no sudeste como tambem no centroeste americano. Se especula que o mais longínquo que Robert Johnson tenha viajado seja até as duas Dakotas no meio-noroeste americano. Não há muitos que sugerem que Robert Johnson tenha ido parar na costa oeste, embora não se tem como saber com certeza.
Segundo Johnny Shines, Robert Johnson tinha uma capacidade ímpar de pegar e decodificar uma canção nova com apenas uma audição. Shines conta que certa vez estava conversando com Johnson em um local onde havia um rádio ligado e tocando ao fundo. A conversa continuou normalmente, porém mais tarde no mesmo dia, Shines repara em Robert tocando uma música que havia tocando no rádio durante o papo. Johnson aparentemente, sem deixar de participar da conversa, estava ao mesmo tempo ouvindo e estudando a canção no rádio. Shines tambem teria dito que poucos são aqueles que podem recordar ter visto Robert Johnson praticando o violão ou trabalhando uma canção. Shines, explicando como Johnson conseguia aprender repertório novo sem muito esforço, teria resumido a questão da seguinte maneira: “Assim como ninguém fala de um pato aprendendo a nadar, pois assim era com o Robert Johnson.”
Robert Johnson morou com uma mulher diferente em cada cidade por onde passou. Especula-se que embora ele não tenha feito familia no sentido mais básico da palavra, provavelmente teve um número grande de filhos ilegítimos espalhados de norte ao sul do rio Mississippi e além. Sabe-se também que na cidade de Helena, em Arkansas, Johnson ficava com Estella Coleman, que tinha um filho adolescente chamado Robert Lockwood. Johnson e Lockwood firmaram forte amizade, Lockwood sendo o único músico que se sabe a quem Robert Johnson procurou ensinar sua maneira de tocar. Johnson e Lockwood passariam a viajar e tocar juntos em pequenas temporadas mantendo-se dentro da região do Mississppi Delta. Entre idas e vindas de Robert Johnson, sozinho ou acompanhado, a relação de Johnson com Estella Coleman durou pelo menos cinco anos que se tenha notícia. Robert Lockwood depois passaria a adotar o nome Robert Jr. Lockwood por conta de seu afeto e admiração pelo seu padastro.
Mas na maior parte das vezes, Robert Johnson segue sozinho pelo mundo. Ele tocou em tudo que é lugar, desde casas noturnas propriamente ditas a puteiros de quinta categoria. Quando ele chegava em um local novo, sua tática era de logo procurar tocar em uma esquina perto do barbeiro local, farmácia, ou um restaurante de preço popular. Essencialmente pontos de uso essencial da comunidade. Outro detalhe que se sabe sobre o homem Robert Johnson é que ele tinha um dom natural de conversar com o povo local e com simpatia aliados à sua boa pinta, inevitavelmente consegue fazer amizade com alguém que o ajuda a se arranjar no local.
Robert Johnson
Tocava essencialmente por gorjetas nas ruas durante o dia e em inferninhos baratos à noite. Ele não se fixa em tocar só blues e sim qualquer coisa que possa agradar sua audiência imediata. Pelo que se sabe, Johnson não costumava tocar suas composições próprias, sua preocupação maior era fixada em entreter e assim, ganhar uns trocados. Segundo Johnny Shines, uma das composições próprias que Johnson gostava de tocar ao vivo com mais freqüência era "Come On In My Kitchen".
Sabe-se que Robert Johnson guardava com muito cuidado suas composições e era capaz de deixar um lugar de uma hora para outra se percebesse que havia alguém no público prestando excessiva atenção em como ele tocava. Nasce dessa paranoia seu hábito de tocar de lado, quase de costas para a plateia. E se ainda assim, ele sentisse a ameaça de alguém aprender demais assistindo-o tocar, Johnson se levantava e ia embora sem mais nem porque. Foi assim que Johnny Shines perdeu Johnson de vista. Ele simplesmente desceu do palco enquanto Shines terminava o resto do set e foi embora. Quando Shines deu conta, Johnson já tinha pego o primeiro trem cargueiro e seguido na direção que o trem o levasse.
Voltando ao que se sabe como certo, Robert Johnson querendo gravar um disco só seu, ficou sabendo que em Jackson, Mississippi, o dono da quitanda tambem trabalhava como olheiro de talentos e supostamente tinha contatos com alguma gravadora. Johnson procura o tal dono da quitanda, um homem chamado H. C. Spier que gostou do que ouviu e arrumou dele encontrar-se com Ernie Ornette, que igualmente ficou bem impressionado com Johnson e ofereceu de gravá-lo em San Antonio, Texas onde sua gravadora, a Brunswick Records, tinha um estúdio de gravação.
O tal estúdio de gravação na verdade eram dois quartos alugados pela Brunswick em um hotel. Num quarto ficava instalado o engenheiro de som e seu equipamento, mais o produtor das sessões, que no caso trata-se de Don Law. No outro quarto ficava o microfone e o talento a ser gravado. Robert Johnson receberia entre $10 a $15 dólares por canção e nenhum direito autoral.
Numa segunda-feira feia e de ventos forte, do dia 23 de novembro de 1936, no quarto 414 do Gunter Hotel, Robert Johnson grava "Kind Hearted Woman Blues", "(I Believe I’ll) Dust My Broom", "Sweet Home Chicago", "Rambling On My Mind", "When You Got A Good Friend", "Come On In My Kitchen", "Terraplane Blues" e "Phonograph Blues".
Ele retornaria para o mesmo local na quinta-feira, dia 26, gravando somente uma canção, a "32-20 Blues". Entre segunda e quinta, Robert Johnson seria preso por vadiagem e na delegacia apanha dos policiais e tem seu violão quebrado. Johnson dá o nome de Don Law como empregador que é contactado e, ao chegar na delegacia, confirma o status de músico pago pela sua gravadora conferido a Johnson. Law paga fiança e deixa Johnson no hotel onde o músico estava hospedado. Colorindo um pouco essa estória tem outra. Conta-se que mal Law chega em sua casa e recebe um telefonema de Johnson pedindo cinco centavos emprestados de adiantamento para completar os quarenta e cinco centavos que ele tinha, para poder pagar cinquenta centavos que era o valor que uma prostituta que ele arrumara no hotel estava cobrando.
Fechando a semana de trabalho, sexta-feira dia 27 de novembro de 1936, Robert Johnson retorna pela última vez ao quarto 414 do Gunter Hotel e grava "They´re Red Hot", "Dead Shrimp Blues", "Cross Road Blues", "Walking Blues", "Last Fair Deal Gone Down", "Preaching The Blues (Up Come The Devil)" e "If I Had Possession Over Judgement Day". Johnson gravaria dois takes de vários de seus números, deixando um interessante material de estúdio uma vez que depois dos anos noventa, todo este acervo ficara finalmente disponível no mercado.
Quase oito meses passariam até Johnson gravar uma segunda serie de sessões, dessa vez na cidade de Dallas, Texas, no Brunswick Record Building, que fica no sobrado de 508 Park Avenue. Dividido em duas sessões realizadas em junho de 1937, a primeira começando no sádado dia 19, rendeu as gravações de "Stones In My Passway", "I’m A Steady Rollin’ Man" e "From Four Till Late".
A última e derradeira sessão de gravação na vida de Robert Johnson rendeu bastante material. Realizado no domingo no dia 20 de junho de 1937; Johnson grava "Hellhound On My Trail", "Little Queen Of Spades", "Malted Milk", "Drunken Hearted Man", "Me And the Devil Blues", "Stop Breakin’ Down Blues", "Traveling Riverside Blues", "Honeymoon Blues", "Love In Vain" e "Milkcow’s Calf Blues".
No todo, Robert Johnson gravou um total de 29 canções embora há um boato de que uma trigésma canção teria sido gravada por insistência do engenheiro de som. Se existe, até o presente, nenhum vestígio dessa canção foi encontrado.
O primeiro compacto a surgir das sessões, lançado pelo selo Vocalion (depois comprada pela CBS que por sua vez seria comprada pela Sony Music) foi "Terraplane Blues" / "Last Fair Deal Gone Down", que muitos consideram o único hit do Johnson, com o compacto vendendo 4 mil cópias. Considerando o mercado fonografico da época, acoplado com o custo de vida durante a depressão dos Anos Trinta, o número é relativamente bom. O que se sabe é que Don Law tinha interesse em voltar a gravá-lo. Apesar de outros compactos serem lançados antes dele falecer, aparentemente este é o único disco seu que Johnson ouviu em vida. Conta-se que ele ficou tão feliz que comprou várias cópias para dar de presente a parentes e para cada um de seus filhos, embora muitas vezes ele fosse proibido de se aproximar deles. Há pelo menos um relato, contado por Claude Johnson, seu único filho comprovado e reconhecido legalmente, que diz que Robert Johnson não foi permitido pelos avós que o criaram, a passar pelo portão da frente da casa, enquanto ele, Claude, só pôde vê-lo pela fresta atrás da porta. Isso por conta de Robert Johnson ter feito um pacto com o diabo. “E essa foi a única vez que eu vi o meu pai.”
Tocando pelas esquinas do mundo afora, quando alguém pedia "Terraplane Blues", Johnson se enchia de orgulho e informava com um sorriso de orelha a orelha, que ele foi quem compôs esta canção. Analisando as gravações, se pode ouvir em Robert Johnson as influências de um número de importantes bluesmen, como os já falados Charley Patton, Son House, Willie Brown, Tommy Johnson e Lonnie Johnson; como também de Kokomo Arnold, Scrapper Blackwell, Hambone Willie Newbern, Leroy Carr, Big Bill Broonzy e Skip James. Embora não existam gravações que documentem a proeza de Ike Zimmerman, é óbvio que esse foi para Robert sua influência mais direta.
Johnson como instrumentista é capaz de fazer duas coisas diferentes quase que seguidas uma da outra, o que dá a sensação nas gravações de existirem duas pessoas tocando, não só uma. E como se isso não fosse o bastante, Johnson consegue cantar por cima disso tudo, o que deixa músicos mais estudiosos extremamente impressionados. Comparando Johnson com seus maiores mentores, percebe-se que está no tratamento dado por Johnson a suas canções e seus arranjos a marca de sua genialidade. Conciso, consegue compor um tema completo com duração nunca superior a três minutos, perfeito para o formato de discos (então existentes apenas com 78 rpm). Trouxe para os seus arranjos o baixo de boogie-woogie, normalmente associado somente ao piano, nunca no violão. Enquanto era comum nas letras em blues da época ficarem com resoluções um tanto quanto abstratas, as melhores letras de Johnson oferecem uma estória completa com inicio, meio e fim. E para coroar tudo, Johnson também tem uma voz muito boa, donde ele extrai tanto força, como ternura.
No calor do verão de Mississippi, no dia 12 de agosto de 1938, Robert Johnson e David ‘Honeyboy’ Edwards estavam marcados para tocar naquela noite, em uma loja de conveniências não muito longe de Greenwood, chamada Three Forks, que à noite faziam festas pro povo local ouvir e dançar. Segundo Honeyboy Edwards, Robert Johnson estava claramente mostrando demasiada atenção a uma mulher acompanhada de um homem que muitos acreditam se tratar do dono da loja. Outra versão sugere que a tal mulher era uma antiga namorada de Johnson que, de volta na área, queria requentar o romance.
No dia seguinte, antes de Honeyboy chegar, Robert Johnson e Sonny Boy Williamson II (Rice Miller) dividiam uma mesa e conversavam. Williamson testemunha que Johnson estava de olho na mulher do patrão e que alguém, possivelmente a própria mulher, lhe trouxe uma garrafa aberta de whiskey caseiro (Moonshine). Johnson aceitou e bebeu apesar de avisos de nunca beber de uma garrafa que já chega aberta. Estavam tocando os três músicos quando por volta de uma da manhã, Robert Johnson começou a passar mal. O povo queria que o músico continuasse mas lá pelas duas da matina Robert estava tão mal que teve que ser levado embora. Trouxeram-lhe até seu quarto em um barraco na 109 Young Street onde estava hospedado em Greenwood. Johnson passou três dias em agonia com terriveis dores estomacais, finalmente morrendo no dia 16 de agosto de 1938. Uma versão da estória sugere que ele conseguiu sobreviver ao envenenamento, que saiu pelo suor, mas por conseqüência pegou pneumonia e morreu. Seu atestado de óbito diz ‘Causa de Morte: Nenhum Doutor (No Doctor).’
Robert Johnson foi em seguida enterrado no cemitério junto à igreja Mt. Zion Missionary Baptist Church perto de Morgan City, segundo consta em seu atestado de óbito. A Columbia Records em 1990 ergueu um pequeno obelisco como memorial a Johnson no local. Todavia, há quem diz que Robert Johnson não permaneceu enterrado neste local por muito tempo. Supostamente uma das suas irmãs retirou seus restos dali e o levou a Payne Chapel Missionary Baptist Church perto de Quito, Mississippi. Lá também foi colocado um marco, desta vez uma placa, para marcar o local. Todavia, ainda há suspeitas que seu corpo na verdade fora enterrado junto a uma árvore dentro do cemitério da igreja de Little Zion localizada ao norte de Greenwood junto a Money Road. Neste local também existe um marco homenageando Robert Johnson, dessa vez pago pela Sony Music.
O legado de Robert Johnson é enorme, embora tenha levado muitos anos após sua morte para sua influência ser realmente contabilizada. Muddy Waters e Elmore James são apenas dois nomes que imediatamente vêm à mente como demonstrando em suas gravações as lições aprendidas com Robert Johnson. Contudo, ele só se tornaria realmente famoso depois dos anos sessenta quando os roqueiros o adotam. Em 1961 a CBS lança pela primeira vez um LP com desesseis de suas canções com o titulo Robert Johnson – King of the Delta Blues Singers, que vai ser ouvido e absorvido por gente como Brian Jones, Keith Richards, Eric Clapton, Paul Butterfield, Duane Allman e Johnny Winters, efetivamente contribuindo para dar início ao interesse maior pelo blues entre os jovens brancos americanos e, na Inglaterra, para o nascimento do movimento de blues inglês. O volume 2, com o restante das gravações mais algumas versões alternativas, seria lançado em 1971.

Three Forks Store
Somente em 1990, após anos de litígio sobre direitos autorais (que desde 1998 pertencem ao filho e herdeiro comprovado Claude Johnson), lança-se finalmente a caixa completa com todas as suas gravações existentes, mais duas fotos, as únicas conhecidas de Robert Johnson. Hoje já apareceu uma terceira, com Robert Johnson ao lado de Johnny Shines, encontrada com uma das irmãs de Johnson que ainda estava viva. Especula-se que podem ainda haver outras fotos por serem descobertas.
Passados os últimos vinte anos, o nome de Robert Johnson se torna um meio de ganhar dinheiro. Criaram fundações com seu nome, vende-se camisetas, posters, palhetas e sabe-se lá mais o que; tudo com o nome, imagem e até a assinatura (tirada da certidão de casamento) de Robert Johnson. Ele é atualmente o bluesman que mais gera dinheiro em merchandising dentro dos Estados Unidos, muito além do que qualquer outro bluesman americano atualmente vivo. Talvez mais importante do que isso seja que não só a lenda, mas agora a música de Robert Johnson persiste em encantar os ouvintes. E a julgar pela consistência de novas versões gravadas por novos artistas a cada ano, a música de Robert Johnson continuará vivendo saudavelmente entre as novas gerações que continuamente surgem.
Robert Johnson jamais poderia imaginar tamanho sucesso.
Estrada abandonada que leva para Tree Forks Store