domingo, 30 de novembro de 2014

Mandinga e Água Mineral - Assim Começou o Blues Brasil



Curiosamente andei lendo alguns antigos de 20 e até 30 anos atrás sobre alguns registros de blues brasileiro e sobre a descoberta do blues no Brasil, e me deparei com dois álbuns de grande importância para a disseminação do estilo no país, são eles: Mandinga de André Chistovam e Água Mineral da banda Blues Etílicos. E concordei com alguns críticos que argumentam serem estes os álbuns chaves que abriram as portas do blues em nossas terras.
Mas, porque disto? O que levou Mandinga e Água Mineral a catapultar o blues brasileiro?
Você deve estar se perguntando que antes destes registros estava Celso Blues Boy, o primeiro artista brasileiro a usar o termo Blues em seu nome, e vender seus álbuns e show s caracterizando e divulgando seu trabalho como blues, lançando o primeiro álbum de blues no Brasil o “Som Na Guitarra” de 1984, que tem clássicos do blues brasileiro como “Aumenta que Isso Aí é Rock’n’Roll”, “Fumando na Escuridão”, e “Brilho da Noite”, além de B.B. King o reconhecer como grande músico de blues, tocar no Festival de Montreux, ser convidado para integrar os The Commitments e outros feitos?


Eu também fazia a mesma pergunta, até ler uma entrevista que pode ser conferida no blog http://mannishblog.blogspot.com.br do produtor cultural Eugenio Martins Jr.. E achei uma das respostas que tanto procurava! Durante a entrevista, em uma pergunta de Eugênio ao também produtor Herbert Lucas (um dos responsáveis por grandes shows de blues e divulgação do estilo no país), este fez a seguinte afirmação: “O Celso Blues Boy era mais rock. Ele não se assumia como blues absoluto. Ele era blueseiro na essência, mas, fazia rock. Talvez ele tenha sido o primeiro bluseiro. Olha que coincidência, ele havia tocado com o Sá e Guarabyra na adolescência e foi o Sá quem deu o apelido a ele. Surgiu o Celso Blues Boy que veio a ser a lenda do blues nacional. Veja bem, o Celso já vinha tocando a muitos anos antes do André (André Christovam), mas, ele não se assumiu como blues nem fez esse marketing”. Uma declaração desta de um nome importante para a história do blues no Brasil já nos remete a concentrar as nossas atenções nos discos Mandinga e Água Mineral. Certo?
Pois bem! Para entender mais sobre o período que estes álbuns em questão foram lançados, e conseqüentemente compreender o “boom” destes artistas comecei a conversar com amigos e conhecidos, que como eu viveram aquela época. E nestas conversas chegamos a vários pontos em comum que devemos levar em conta. Primeiramente vamos tentar compreender o movimento cultural da explosiva década de 80.
A princípio devemos destacar que no fim dos 70’s e início dos 80’s começou a aparecer por aqui artistas de jazz como Ray Conniff, Oscar Peterson, Dizzie Gillespie e Ray Charles, que esporadicamente executavam blues em seus repertórios, festivais como o Rio Jazz Montreux no Maracananzinho e o Free Jazz, eventos diversos no “alta classe” 150 Night Club, bar do hotel Maksoud Plaza, que apresentava uma gama de shows voltados para o blues como Junior Wells, Buddy Guy, John Hammond, Steve Ross, Alberta Hunter e etc. e também diversos shows do rei B.B. King. Então nota-se uma abertura do mercado e da mídia para o blues, tornando uma novidade de consumo cultural, e um solo fértil para novos artistas do gênero.
O público nesta época estava ávido pela diversidade, era a década do fim da ditadura (leia-se liberdade de expressão), do primeiro e maravilhoso Rock’n’Rio, ou seja, o auge do que era interessante no mundo caindo de paraquedas aqui na República das Bananas, da rádio Fluminense (A Maldita) divulgando a garotada esperto do pedaço, do Circo Voador, local histórico onde bandas novas e consagradas se apresentavam.
E neste celeiro o rock brasileiro cantado em português teve seu “boom”, representado principalmente por bandas como Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs, RPM, Cazuza, Engenheiros do Havaí, Biquíni Cavadão, Ultraje a Rigor, Kid Vinil, Ira!, Barão Vermelho, Camisa de Vênus, Leo Jaime, Legião Urbana, etc.
E nessa onda os artistas de blues brasileiros pioneiros como Celso Blues Boy, André Cristovam e a Blues Etílicos (na verdade existiam outras bandas e artistas, mas, foram estes que mantiveram uma carreira sólida e de destaque) fazendo blues em português pegou carona.
No mundo caro leitor (a), tudo, absolutamente tudo é uma questão de estar no lugar certo na hora certa, o solo estava preparado da melhor forma possível para plantar o blues no Brasil, os músicos tinham espaço, divulgação, público, e apoio cultural.
Nesta onda em 1988 foram lançados os álbuns em questão (Mandinga e Água Mineral). O André Christovam tenho que ainda destacar o fato de conhecer os caminhos das pedras em relação à música popular da época, ou seja, o rock brasileiro, uma vez que já tinha trabalhado com, Kid Vinil & Os Heróis do Brasil, Rita Lee e Roberto de Carvalho, Raul Seixas e Marcelo Nova, entre outros, e isso sem falar na bagagem cultural que adquiriu só de ter sido roadie de ninguém menos que Albert Collins na época que estudava musica nos EUA. André teve a grande sacada de gravar um disco com a mesma malandragem dos bluesmen originais, mas traduzida para a língua pátria brasileira, e tome clássicos do blues verde e amarelo como Confortável (fantástica versão de Built for Confort do Howlin’ Wolf), Genuíno Pedaço de Cristo e Dados Chumbados.
A Blues Etílicos por sua vez estava lançando Água Mineral sendo este seu segundo trabalho, mas, desta vez através de uma grande gravadora, a Eldorado, recebendo melhores estúdios de gravação, distribuição, recursos financeiros e trabalho de marketing. Além de apresentar em suas fileiras músicos interessantes e de inegável talento, como Greg Wilson, um musico norte-americano, natural do Mississipi com bacharelato em música pela Universidade da Carolina do Sul, que conferia um toque de legitimidade e direcionamento correta à banda ao executarem tanto o blues americano, quanto a forma correto de se criar blues em português. Apresentava também a inigualável harmônica de Flávio Guimarães, que se tornou referência no blues e no rock nacional pela sua técnica exuberante e bem encaixada no grupo. E magia da guitarra slide (novidade por aqui, técnica também dominada por André Christovam) de Otavio Rocha.
Até aqui estava tudo armado para a explosão do blues no Brasil, mas, teve outro toque do destino que completou todo quadro preparado até então, e este toque foi o Primeiro Festival Internacional de Blues no Brasil, que foi realizado em julho de 1989 em Ribeirão Preto/SP, com participações de Buddy Guy, Junior Wells, Albert Collins, Magic Slim e Etta James, com grande repercussão na mídia nacional, tendo como abertura na noite de Albert Collins o André Christovam, e na de Buddy Guy a Blues Etílicos.
Além do festival de blues de Ribeirão Preto ocorreu também o Free Jazz Festival no mesmo ano, com a participação de André Christovam na noite do dia 27 de agosto abrindo a noite de blues do festival para ninguém menos que John Lee Hooker e a banda The Coast to Coast Blues, e John Mayall & The Bluesbreakers.
A resposta do público diante de toda esta exposição na época foi tamanha que durante esse período a Blues Etílicos participou de vários programas especiais na TV Cultura, Rede Manchete e MTV, além de ter suas músicas amplamente executadas nas rádios em todo país.
O resultado disso tudo foi que os discos em questão venderam mais de 40 mil cópias. Juntos, os álbuns destes artistas na época venderam mais do que todos os discos de blues nacionais e internacionais lançados no Brasil até então. Venderam mais juntos do que toda a discografia internacional de todos os tempos, incluindo BB King e Robert Cray, de acordo com a pesquisa de Luiz Fernando Vitral que na época era da revista Veja.
Neste momento, em minha opinião, foi o divisor de águas para o gênero no Brasil. A partir deste cenário, surgiram várias bandas nacionais influenciadas pelo som da Blues Etílicos e de André Christovam, além de pipocar no Brasil inteiro diversos festivais de blues, selos independentes trabalhando com o estilo e músicos fantásticos. 
E neste ano de 2014 completam-se 25 anos de lançamento das pedras fundamentais para o blues brasileiro, os álbuns Mandinga e Água Mineral e analisando todo o contexto da época, acredito que conseguimos compreender como e porque estes álbuns são além de clássicos a catapulta do estilo para o blues brasileiro.  

sábado, 18 de outubro de 2014

OTAVIO ROCHA - SINÔNIMO DE EXCELÊNCIA EM SLIDE GUITAR



Slide guitar definitivamente não é pra qualquer um! Porque afirmo categoricamente isso?  Digo não pela técnica específica utilizada, mas, pelo fato de se exigir extremo controle do “ambiente musical” para provocar nuances corretas e fazer a guitarra slide chorar! Sim, isso mesmo, se a guitarra no blues canta... a slide guitar no blues chora! E como chora bonito! Costumo comparar a slide guitar como um cavalo selvagem que você tenta domar... Você pode até conseguir subir nele, mas, se não tratá-lo corretamente... vai comer poeira direto do chão!
Mestres nesta técnica são poucos, podemos entre outros citar Duane Allman, Derek Trucks, Ry Cooder, Warren Haynes, Sonny Landreth, George Harrison, Dave Hole e Johnny Winter, e os da velha guarda sendo Elmore James, Muddy Waters, Robert Johnson, Johnny Shines! Existem muitos barulhentos, que apenas incomodam nossos ouvidos, e claro, o que é ruim não devemos citar, primeiro porque é antiético e depois... como dizia a minha avó:” Não fale o nome da coisa ruim senão ela espalha!”
Mas, interessantemente temos grandes guitarristas slides no Brasil! Sim, alguns que particularmente considero mestres, e entre eles está Otavio Rocha.
São vários os motivos que o considero mestres nesta arte. Entre estes motivos está o fato que Otavio Rocha (e sua banda Blues Etílicos é claro!), desbravou o blues no Brasil, junto a nomes como Celso Blues Boy e André Christovam nos anos 80. Sim, o mundo, era bem diferente do que é hoje, principalmente no nosso país tropical, atrasado em tecnologia e comércio, saindo de uma horrorosa ditadura, onde não existia internet, TV por assinatura, acesso fácil a importações de Lps, etc., levando a uma ignorância musical onde ninguém conhecia blues. Claro, existiam exceções, mas, eram dispersas.
Otávio neste cenário, conforme inúmeras declarações próprias, aprendeu e desenvolveu a sua técnica através de erros e acerto, a tornou refinada e apresentou ao público brasileiro através da sua slide guitar uma linguagem musical “nova”. O tiro foi certeiro, pois o blues de sua banda foi cativante, e começaram a chamar a atenção do público, ao ponto de participarem em 1989 do histórico primeiro Festival Internacional de Blues, na cidade de Ribeirão Preto, abrindo o evento, tocando na mesma noite que Buddy Guy.
Outro exemplo de pioneirismo de Otávio Rocha e seus comparsas foi a criação da única side band do Brasil (pelo menos é a única que eu conheço!) a Blues Groovers com Ugo Perrota (baixo) e Beto Werther (bateria), respeitados músicos de blues brasileiros. Se você não sabe, side band é uma banda formada exclusivamente para acompanhar outros músicos, e os músicos que formam a Blues Groovers juntos ou separados já acompanharam gente do calibre de nomes internacionais como Charlie Musselwhite, Little Jimmy King, Norton Buffalo, Eric Gales, Taj Mahal, e grandes nomes nacionais como Big Gilson (com o nome de Rio Dynamite), Flávio Guimarães, Maurício Sahady e Álamo Leal.
Uma demonstração do domínio do blues que Otávio tem é justamente sua side band. Para se ter uma side band é necessário um bom fundamento de blues e experiência, pois a diferença de cada artista que a banda acompanha a obriga a apresentar um leque de variações, para se adequar e atender ao estilo do acompanhado.
           
Outro motivo que o considero um mestre é o fato de Otávio Rocha ter uma particularidade (a meu ver) que o coloca acima da maioria dos músicos de blues que observo, os seus solos! Além de ser um exímio músico de apoio, seus solos têm a característica principal que um guitarrista de blues precisa, o famoso feeling! O feeling que muitos procuram... poucos o encontram! Você não vai encontrar solos mirabolantes e barulhentos (infelizmente realizado pela maioria dos guitarristas), Otávio é econômico em seus solos de slide, os executa na hora certa, respeitando e trabalhando pela banda, e apresentando uma beleza impar e melodia adequada! Esta característica só é encontrada em mestres do tipo Duanne Allman, Eric Clapton, B.B. King e outros.
As músicas instrumentais de autoria de Otávio Rocha são uma aula a parte de como compor temas simples, mas, agradáveis, com notas certas nos lugares certos, com espaço para improvisar, que nos remete às bandas de blues de Chicago! Características que não são recentes, e são observadas desde o início da discografia do Blues Etílicos.
Todos estes detalhes renderam a Otavio Rocha reconhecimento como um dos melhores guitarristas do Brasil (e em minha opinião um dos melhores slide guitar do mundo), não só pelos apreciadores do blues, mas, da música em geral, tanto o é que o vemos como convidado nos melhores festivais de blues, nos melhores shows de artistas tanto brasileiros quanto estrangeiros, participações em álbuns, etc.!
Grande mestre da slide guitar! Merece nossa reverência!


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Estamos voltando!!!!!!!!

Muitas estradas...
E todas voltam ao mesmo lugar!!!
Estamos retomando o blog.... depois de ….????
Temos muitas histórias para contar... muitos blues pra cantar!
Vamos retornar com as poesias, artigos originais, documentários, e outros, que caracterizaram este blog e que por muito tempo ficaram vagando e não foram apresentados.
Quanto ao conto A Balada de Bill Black, que a maioria dos que acompanharam este blog ainda nos cobram e exigem um desfecho... lembrem-se...uma boa história leva-se tempo para ser contata, mas prometemos dar continuidade e apresentar outras.
Pra reiniciar... estamos publicando um documentário dirigido por João Moreira Salles em 1990 (como isso me trás boas lembranças!!!!) na extinta TV Manchete!
A Sociedade está reativada!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Seu Blues é.... Redondo?

Seu Blues é.... Redondo?
 
Este artigo tem como propósito expor superficialmente o que eu acredito ser de total importância para assistirmos a um bom show de blues, ou ouvir um bom álbum de blues gravado ao vivo. Bem, alguns estilos musicais devem ser trabalhados sobre um importante aspecto que é o improviso, entre estes estilos temos o blues e seu primo o jazz. Improvisar não é fazer a coisa de qualquer jeito, como se fosse um “ta ruim, mas ta bom”! Não é isso!!! Para os leigos em música tenho a obrigação de dizer que o ato de improvisar em uma canção requer muito estudo musical, conhecimento aprofundado de harmonias e melodias musicais, e dominar por completo o instrumento que se toca! Por isso quando um artista improvisa ele está mostrando a sua sabedoria no instrumento e o quanto ele domina aquele estilo musical.
Como o blues é pura expressão, a forma como o artista se expressa é extremamente importante, e esta expressão também é demonstrada nos improvisos. Mais uma vez eu digo, o blues é simples, não é fácil!
Então, pelas minhas caminhadas pelos bares onde se toca blues, eu vejo diversos artistas tocando, às vezes músicos fantásticos, mas, horrorosos para tocar blues!!!!
Você deve estar se perguntando, como uma pessoa classifica um músico como fantástico, mas, horroroso para tocar blues? Acalme-se eu explicarei em três itens: banda programada, falta de técnicas de expressão no instrumento e falta de bom senso!
- Banda programada – é simples de se entender, é aquela banda que tem tudo no seu devido lugar! Parece uma banda de heavy melódico! Os solos de guitarras, gaita ou baixo são todos determinados quanto ao tempo e ao que se faz, se alguém arriscar algo diferente, ou se perder, ou até mesmo curtir a música... a banda “vai pro saco”! Os músicos não conseguem manter o serviço. É como aquela banda que você sabe o que vai acontecer. Amigo (a), uma das coisas gostosas no blues é a surpresa! É você ver o músico viajando e te levando a lugares mágicos, e lógico a banda acompanhando!!!
- Falta de técnica no instrumento – Vamos imaginar uma clássica banda de blues com guitarra, baixo, bateria, piano e gaita. A guitarra tem suas técnicas para cada estilo, mas um bend bem realizado, um vibrato no momento certo... é de arrepiar! Que o diga B.B. King! O baixo utilizando o chamado baixo caminhante... é aquela técnica em que o instrumentista passeia pelas notas subindo ou descendo a escala musical do tom... é fantástico, dá um charme único ao que se está tocando! O piano com influências do delta... sabe aquele momento em que o músico toca notas em seqüência bem agudas, onde parece que toda banda pára pra ouvir? Isso é influência do delta do Mississipi! Estes itens são básicos, mas, tem muitos músicos que não conseguem faze-lo, por não o compreender, ou por preguiça mesmo de estudar seu trabalho!
- Falta de bom senso – Caro leitor, “o silêncio é mais importante do que inúmeras notas musicais”! Não se assuste com minhas palavras, mas, já ouvi esta frase incontáveis vezes e ela expõe o que muitos músicos deveriam entender. Calma que eu explico! Eric Clapton ficou invejado por todo o mundo pela sua musicalidade e pelo domínio do silêncio no blues! Tal fato o levou a ficar conhecido como “Mão Lenta”, pois ele sabia fazer improvisos melódicos respeitando o sabor de cada nota e deixando o ouvinte ter essa percepção também. O blues não precisa de exageros de notas jogadas ao ar como se fosse um músico de heavy metal (nada contra o estilo, muito pelo contrário, mas, estamos falando de blues!). Esse é o ponto chave de um bom blues, ter bom senso ao improvisar, lembrar da velha frase: “Menos é mais”!
Bem, esse assunto é longo, complexo, e de difícil exposição, mas, estes são alguns dos critérios que aprendi com grandes apreciadores de blues, e aos poucos tento repassar a vocês, lembrando que gosto musical é individual, e que o blues é como o vinho quanto mais velho (tocado por músicos conhecedores do assunto, portanto experientes), melhor!
Abraços!

domingo, 10 de julho de 2011

Sonny Boy Williamson II - Malandro é malandro, mané é mané!


Sonny Boy Williamson - Nascido Alec Ford em 05 dezembro de 1899 (segundo ele), em 1912 (de acordo com os dados do censo descoberto pelo pesquisador David Evans), ou em 11 de março de 1908 (de acordo com sua lápide). Alec Ford logo assumiu o sobrenome de seu padrasto Miller, e por razões que ninguém nunca explicou o primeiro nome de Rice.
Assim começa a história desse sujeito chamado Rice Miller, que saiu de entre as pernas de sua mãe na Sara Jones Plantation em Tallahatchie County, no Mississipi. E que mais tarde iria encontrar a fama com o nome Sonny Boy Williamson, muitas vezes, com o sufixo II para distingui-lo de John Lee "Sonny Boy Williamson", cujo nome ele achou vantajoso adotar.
Confuso? Vamos ver se não pode complicar ainda mais a história. O jovem Rice cresceu em torno das plantações, trabalhando nos campos com seu padrasto, Jim Ford e sua mãe Millie. Aprendeu a tocar gaita, e pelo início dos anos 30 partiu para ganhar seu sustento como um músico. Nesses anos de vacas magras da primeira grande depressão econômica americana, Rice Miller em diversas viagens iria cruzar, e muitas vezes tocar com diversos bluesmen como Robert Johnson, Junior Robert Lockwood, Elmore James, Houston Stackhouse, Robert Lee McCoy e fazer parcerias, como a realizada com seu famoso irmão na lei Chester Arthur Burnett também conhecido como Howlin ' Wolf, a quem ele ensinou a tocar a gaita. Ele tocou nas ruas, nas esquinas pelo país, e assim desenvolvendo um repertório enorme de melodias e talentosas performances, como a façanha de tocar duas gaitas ao mesmo tempo, sendo uma na boca e outro no nariz.
Em 1941, ele foi abordado pela Companhia King Biscuit Flour para promover os seus produtos através de um programa de rádio pelas manhãs na emissora KFFA na cidade de Helena, Arkansas. Para agregar valor à sua parceria de celebridades,
Miller ganhou o apelido de Sonny Boy Williamson, o mesmo nome do já mencionado John Lee Williamson, que então vivia em Chicago e gravava para a Bluebird Records, sob a tutela de Lester Melrose. John Lee (agora chamado de Sonny Boy Williamson I, ou # 1 para distingui-lo do seu pretendente) foi uma das maiores estrelas do blues da época, os quais muitas vezes em conjunto com Big Joe Williams e / ou Yank Rachell a partir de 1937 já tinha marcado o blues com muitas composições e versões, como Good Morning Little Schoolgirl, Bring Me Half Pint, Bluebird Blues, Sloppy Drunk, e outras. Quando ele descobriu que alguém em Arkansas estava usando o nome dele, John Lee tomou a ação jurídica, que não deu em nada, pois a defesa de Rice Miller alegou que ele estava chamando a si mesmo de "Sonny Boy Williams", e não “Sonny Boy Williamson” (malandro é malandro...mané é mane). É claro, os fãs mais blues na época pronunciavam Williams como Williamson, e o caso foi encerrado no tribunal. John Lee Williamson iria se vingar mais tarde gravando sua própria versão de King Rice Miller Biscuit Stomp, uma atitude que iria complicar ainda a mente de todos em relação a nomes, e quem é quem.
Miller na rádio foi um sucesso, e logo a King Biscuit nomeou seu fubá como Sonny Boy, com um desenho de Rice Miller em cada saco. É caro leitor (a), o marketing naquela época já comia solto! Dizem que você ainda pode comprar este produto com a mesma embalagem, e dizem que o produto faz bons bolinhos de milho!
Em 1951, Miller assinou contrato com Lillian McMurray da Jackson Record, no Mississippi, com o apoio de músicos como Willie Love (piano), Elmore James e Joe Willie Wilkins (guitarra) e Joe Dyson (bateria). E fez a sua primeira sessão em janeiro daquele ano. Foi impresso um vinil de 78 RPM com as músicas Eyesight To The Blind b / w Bout Crazy’ You Baby, mas poucas pessoas ouviram Bout Crazy’ You Baby neste disco. Isso porque, após a prensagem inicial, um incêndio destruiu as fitas e os carimbos de metal e tiveram que regrava-las, mas, sem a presença de Elmore James.
Vários anos depois, George Paulus da Barrelhouse Records escreveu um artigo a respeito, onde, de acordo com ele, as primeiras versões dessas músicas são muito superiores à segunda prensagem, e pode ser distinguido por uma etiqueta vermelha profunda e a matriz # 's DR1-15/16 nos sulcos. Na época poucos colecionadores sequer sabiam da existência desta versão original. O mais comum de se encontrar nos discos da segunda prensagem é o selo roxo da RDC 15/16-2 esculpidas na saída para os sulcos. Eu imagino que a primeira prensagem nunca foi reeditada (se eu estou errado, por favor, me corrijam). Bout Crazy 'You Baby é um rock, a frente de seu tempo, que mostra o estilo de gaita percussiva de Miller mais os identificáveis ​​piano martelados de Willie Love. Em julho do mesmo ano, outra sessão foi realizada em Jackson, Mississippi, mas nenhuma dessas músicas foi lançada.

sábado, 28 de maio de 2011

A Balada de Bill Black parte III


A Balada de Bill Black parte III

São cinco horas da manhã, e o apito do capataz já soou pela terceira vez, significa que os trabalhadores em fila indiana deveriam começar a caminhada em direção as plantações.
            Bill não dormiu a noite, ficou deitado em seu colchão de palha apenas olhando para o teto, relembrando cada detalhe do que ele tinha visto na Tia Marlene Barrelhouse. E já preparou o plano para o dia seguinte, pois ele tinha que entender o que era aquela casa, e principalmente aquela música que estava tocando.
            Antes do amanhecer Bill se levantou, foi até o fogão de lenha e tomou seu café preto com melado e um pedaço de bolo de milho que a mãe tinha preparado para ele. Era assim toda a manhã, ele levantava a sua mãe já tinha saído para a casa dos senhores e deixado o café matinal para Bill poder fazer o desjejum e ir para o trabalho.
            Mas, Bill havia decidido que aquele dia seria um dia diferente, ele fez tudo como sempre, vestiu sua roupa de trabalho, calçou as botinas já gastas e furadas, pegou a sua foice e foi para fora, onde no pátio todos os trabalhadores esperavam o momento de caminhar.
            Após o apito do capataz as pessoas começavam a caminhar em direção a estrada, e geralmente o primeiro da fila começava a cantar uma canção de uma estrofe, e os demais respondiam em uma próxima estrofe, eram as conhecidas canções de trabalho.
            Bill não se aproximou de Bukka nem Paul que estavam um pouco mais a frente, preferiu ficar entre os últimos. O céu começou a clarear, mas, ainda dava para ver nitidamente as estrelas e a lua.
            De repente, quando a longa fila de trabalhadores entrou na estrada, Bill saltou para fora da estrada e correu o máximo que pôde para ninguém o ver. Ele fez isso, pois a sua conta no armazém da fazenda estava alta e se descobrissem que ele não estava trabalhando, teria que pagar uma multa e não receber alimentação ou água.
            Bill correu até perceber que ninguém o havia seguido ou notado a sua falta. Nesse momento passou pela cabeça que mais cedo ou mais tarde na hora da chamada no campo, o capataz notaria a sua falta, e provavelmente iria anotar suas falhas, e sua conta no armazém aumentaria. Mas, também se lembrou que nunca conseguiu pagar a conta... Alias ninguém nunca conseguiu pagar a conta do armazém. Isso o deu mais coragem para seguir em frente para a saída da cidade.
            Bill chegou a Tia Marlene Barrellhouse já era dia, mas, o lugar estava fechado, todas as janelas e portas trancadas. Bill entrou na varanda do estabelecimento, mas, não encontrou ninguém para atendê-lo, não avistou o Big Norton. Resolveu então dar a volta no galpão. Do outro lado encontrou uma senhora lavando diversos lençóis e roupas de cama. Do seu lado tinha um tonel de água fervente aquecido por uma fogueira pequena acesa por baixo, onde essa senhora mergulhava as roupas com um pedaço de galho de arvore e retirava as roupas quentes e estendendo-as. Bill se aproximou, e a senhora o olhou fixamente.
            - O que está fazendo aqui garoto? – Perguntou a senhora ajeitando o lenço branco na cabeça.
            Bill se aproximou.
            - Estou procurando aquele moço que tocou aqui ontem. – Disse Bill timidamente.
            A senhora ajeitou o lençol para secar, retirou um pouco do suor da testa e disse:
            - Aquele vagabundo do Murphy? – O semblante da senhora mudou completamente – Garoto, sua mãe sabe que você está aqui?
            Bill não queria falar sobre isso, mas, pela educação recebida respondeu:
            - Não, eu fugi e vim pra cá.
            A lavadeira colocou as duas mãos nas costas e disse:
            - Tu queres aprender a tocar blues?
            Bill ficou espantado com a pergunta da lavadeira, como ela sabia? Ele não havia dito isso a ninguém!
            -Sim! Como à senhora sabe?
            A lavadeira se aproximou de Bill e colocou a sua mão direita em seu ombro.
            - Meu filho, já sou guerreira velha! Vejo nos olhos da pessoa o que ela deseja! E afinal, o que uma pessoa iria querer com aquele vagabundo? A única coisa que ele pode fazer é ensinar a tocar alguma coisa! – A lavadeira olhou fixamente nos olhos de Bill – Vou te ensinar o primeiro segredo do mundo, menino! Se quiser tocar blues, tenha maldade!
            - Eu preciso ser mau, pra tocar blues? – Perguntou intrigado Bill.
            A lavadeira caiu na gargalhada e completou:
            - Garoto, maldade é saber aonde você vai, em quem confiar como fazer as coisas... Isso é maldade, ou seja, ser esperto! Por exemplo, não confie cegamente em Murphy! Aquele é macaco velho! Vai querer explorar de você! Te tirar tudo! – A lavadeira fez uma pausa e fixou o olhar novamente – Faça o contrário! Deixe-o pensar que está controlando você, enquanto você tira tudo que pode! – E piscou para Bill.
            Bill ficou calado, mas, absorveu todas as palavras da sábia senhora.
            A lavadeira então, apontou para os fundos do galpão.
            - A primeira porta dos fundos é o quarto dos músicos que passam a noite aqui na Tia Marlene. – A lavadeira fez uma cara de nojo – Ele está lá. Lembre-se: seja esperto!
            Bill agradeceu aos conselhos e caminhou em direção aos fundos do galpão, antes de chegar lá ele ouviu de longe em quase um grito a velha lavadeira mais uma vez:
            - Eu havia me esquecido, não o acorde! Aquele cachorro é capaz de bater em qualquer um que interrompa o seu sono! Deixe-o levantar primeiro!
            Bill caminhou até o local indicado pela senhora, e tudo ainda estava fechado. Seguindo o conselho Bill procurou uma sombra em uma arvore próxima e sentou, ficando de frente para a porta, mas, bem distante, de forma que ninguém o via.
            Ele acabou relaxando e adormecendo.
            Bill acordou assustado com um barulho de porta sendo esmurrada e alguém gritando:
            - Vamos levantar Crazy Dog! – Aquela voz não era estranha para Bill – Já é meio dia! E a Tia Marlene não vai te pagar o almoço hoje, nem a sua estadia aqui! Você já recebeu tua grana, bluesman! Ta na hora de voltar para a estrada!
            Bill se levantou e olhou para um gigante que estava na porta do músico o acordando, era Big Norton, então se aproximou e ouviu o músico dizendo:
            - Grande Norton, estava apenas descansando esta carcaça, meu caro! Já estou de saída, mas, o trem só passa na cidade ao anoitecer, me deixe preparar minha saída com calma! – O bluesman se levantou e vestiu as calças.
            - OK, meu velho amigo, pode ficar até a noite, mas, lembre-se, Tia Marlene não tem compromisso com você! Fique por sua conta! – Big Norton se virou, e quando já se preparava para voltar se deparou com Bill – Garoto Bill!? O que você faz aqui?
            Bill se aproximou um pouco mais para falar com Big Norton e olhou dentro do quarto onde Crazy Dog Murphy já se levantara e se preparava para barbear.
            - Quero pedir ao seu Murphy para me ensinar a tocar blues. – Disse Bill calmamente ainda observando o interior do quarto.
            Big Norton soltou outra gargalhada estridente, e repousou a mão direita no ombro franzino de Bill, e gritou para dentro do quarto.
            - Hei velho rabugento! Venha cá.
            Demorou um pouco até que Murphy saiu, depois de outra insistência de Big Norton.
            - Pois não, Norton? – Murphy era um negro que aparentava ter em torno de 60 a 65 anos, apesar de ter exatos 40 anos, muitos cabelos brancos, olheiras profundas, muito magro, mãos com dedos longos, estava vestindo uma camiseta branca suja de molho de macarrão, e calça amarrotada de um terno risco de giz.
            Big Norton se aproximou de Crazy Dog Murphy.
            - Ei, malandro! Este garoto quer aprender blues! Seja legal com ele, ou então meus braços não serão legais com você! – Big Norton deu dois tapinhas no rosto de Murphy – Este moleque te viu tocar, e virou fã do blues! Se não quiser ensina-lo  um pouquinho é seu direito, e apenas dispense o rapaz, mas se for ensina-lo... tome conta da cabeça dele também! Você sabe do que estou falando!
            Murphy olhou para Bill com admiração, e estendeu a mão para cumprimenta-lo.
            - Meu caro, Norton, somos conhecidos desde crianças, estou precisando de um auxiliar...ele pode me acompanhar e eu o ensinarei a tocar! – Murphy apertou a mão de Bill – Olá garoto, qual o seu nome?
            Big Norton interrompeu os cumprimentos.
            - Ei Murphy, nada disso! Nada de levar o garoto para a estrada! É só ensina-lo alguns acordes e só! Ele tem família aqui!
            - Ora, meu caro, ele vai comigo se quiser! Já é homem! Não é, Bill?
            Bill ficou empolgado com a idéia de viajar com Crazy Dog Murphuy.
            - Não, Murphy! – Disse com ar de seriedade Big Norton – Não ensine essa vida para o garoto! Apenas a música!
            Murphy sorriu e fez um sinal positivo com a cabeça.
            Big Norton ainda desconfiado se despediu e saiu, pois tinha muito a fazer naquela tarde até a hora das portas da Tia Marlene Barrelhouse se abrirem novamente.
            Murphy e Bill se cumprimentaram calmante, e Bill contou que o assistiu na noite passada e que ficou fascinado pela música que ele havia tocado.
            - Que bom garoto! Que bom! Mas, no blues cada lição tem seu preço e cada músico tem um nome que merece. Você está começando agora...- Murphy pensou, sentiu o estômago apertar de fome...- Vamos começar... quero que me arrume um prato grande de comida para almoçar!
            Bill estranhou o pedido, pois imaginava que iria pelo menos tocar no instrumento musical de Murphy, e perguntou porque.
            - Jovem... no blues tudo tem seu preço, me traga um prato de comida... e vamos começar! OK?
            Bill saiu então a procure de um prato de almoço para Murphy...
            40 minutos depois, o garoto voltou com dois pratos envolvidos em um lenço de pano.
            - Muito bem, garoto – Você conseguiu não só um, mas, dois pratos! – Murphy tentou pegar os dois pratos, mas, Bill o entregou apenas um, e deixou o músico intrigado.
            Bill olhou para Murphy calmamente, abriu o pano dos pratos, pegou a colher e começou a comer.
            - Eu pago pra você me ensinar...mas, eu trabalho só pra mim! – E deu a primeira colherada.
            Murphy começou a gargalhar, pela primeira vez sentiu uma simpatia pelo garoto.
            - Muito bem, jovem! Já aprendeu a primeira lição! – Murphy também começou a comer – Agora, se você quer aprender o blues.... tem que pegar a estrada! Viajando se aprende onde tocar, como tocar nestes lugares, ter contato para se apresentar.
            Bill parou de comer e olhou para a estrada.
            - E como vamos fazer isso sem dinheiro?
            Murphy deu uma colherada no prato, se recostou na parede do quarto.
            - Isso é na estrada onde se aprende, garoto! Um músico tem que saber se virar, saber viajar sem grana, saber chegar no seu destino de qualquer jeito! Como conseguiu esta comida?
            - Pedi aquela senhora que lava roupas aqui... disse que era pra mim e pro meu pai.
            Murphy gargalhou mais uma vez.
            - É disso que estou falando, garoto! Você tem a alma do blues! Estou de partida esta noite. Venha comigo e te ensino os blues e como viver os blues!
            - Mas, não tenho dinheiro! – Disse Bill desanimado.
            - Mas, você tem o coração! – Murphy se aproximou de Bill – Seu coração é a sua esperteza! E ele te leva pra qualquer lugar! E te ensinarei a usar sua esperteza! – E deu outra colherada na comida.
            Bill ficou pensativo por 15 minutos.
            - Eu vou!
            - Bom!!!! – Exclamou Murphy dando outra colherada – Te espero as 22:30 hs no pátio de transito das máquinas de trem, atrás da estação, atrás da caixa d’agua da Central!
            - Certo! – Bill se levantou e quando estava saindo para preparar suas coisas Murphy o interrompeu.
            - Ei, garoto! – E deu outra colherada – Você precisa de um nome!
            Bill não entendeu, afinal seu nome era Bill Black.
            - No blues temos nossos nomes do “blues”!
            - Mas, meu nome é Bill Black.
            Murphy olhou fixamente para Bill, deu outra colherada no resto da comida.
            - É um nome legal... mas, a partir de hoje você se chama Novato!
            - Novato? Que nome ruim!!!
            - Mas, é o que você é... o Novato do blues! Muito bem, Novato! Te espero como combinado!
            Bill saiu e correu para sua casa, e passou a gostar do seu nome apelido depois que foi explicado por Murphy.... Novato!