sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Encruzilhada - Artigo Sem o Óbvio Parte II


- Ascensão socioeconômica
Os negros após a abolição não tiveram acesso a direitos sociais, imaginem então acesso a estudo de qualidade, tecnologia, crédito bancário, participação em cooperativas e outras formas necessárias para o desenvolvimento econômico? Caro leitor, não precisamos ser experts em finanças ou desenvolvimento humano para percebermos que em um quadro social como este a classe baixa (que os negros eram incluídos) teriam uma grande dificuldade em ascender, claro que havia exceções, mas, a grande maioria sem dúvida penava horrores para poder ter suas necessidades básicas como estudo, saneamento básico, saúde, entre outras providas. E qual o resultado disso? Provavelmente uma estagnação econômica para os ex-escravos, sem perspectiva de avanço ou melhora da qualidade de vida. Quando se conseguia escapar desta arapuca ou era por dons de alguns em trabalhos no campo e negociando seus serviços necessários ou através da música (leia o post O Improviso no Blues).
- Aspecto Psicológico
Imagine um grupo social recém libertado de uma escravidão secular, onde suas heranças sociais foram destruídas, foram mandados para um novo mundo desconhecido, onde eram humilhados, não tinham direitos civis básicos, e levando em conta tudo mais o que já foi dito cima. A auto-estima deste povo provavelmente estaria abalada ao ponto de terem dificuldades de lutarem para crescerem como indivíduos e principalmente como cidadãos. Em um quadro deste a tendência das pessoas é se aproximar e pedir socorro a suas crenças religiosas.
- Religiosidade
Os escravos que foram levados para a América tiveram origens no litoral oeste da África. Naquela região predominava na época da escravidão a religião de culto aos espíritos chamada Vodum (quando esta palavra é escrita com a letra inicial maiúscula significa o nome da religião, quando escrita em letra inicial minúscula significa espírito), cultura esta que obviamente seguiu com os nativos africanos para o novo mundo. Aos poucos o Vodum passou a ser chamado de Voodoo e se ramificou em várias religiões entre elas o Voodoo da Louisiana, o Voodoo do Haiti (com os mitos dos zumbis), Candomblé no Brasil e outros. Uma característica que esta religião carregava era a de se comunicar com seus ancestrais mortos ou “guardiões” de outras vidas e dimensões, e solicitar auxílios para diversas questões do dia a dia como amor, negócios, vingança, etc. Entre as várias práticas existe uma que é realizada até hoje, a de encaminhar uma oferenda aos espíritos no cruzamento de dois caminhos (encruzilhada). Na religião Vodum o espírito guardião da encruzilhada que mantinha o contato e permitia a comunicação entre os vivos e o mundo dos espíritos é chamado de Legbar. Existe um ritual de invocação deste espírito e costumeiramente se faz no entroncamento de dois caminhos à noite com oferendas e seu pedido.
Pelos costumes e a cultura negra o Voodoo está presente no blues rural ainda hoje tanto nas letras das músicas com os temas ligados a religião, como o mojo (material de simpatia que produz proteção ao seu portador), o osso de gato preto, o próprio demônio em pessoa, e até a encruzilhada.
Analisando toda essa cena imagine um povo sofrido sem perspectiva de melhora de qualidade de vida, com uma cultura religiosa ancestral forte, sem amparo constitucional, onde uma das poucas oportunidades estava na sua cultura musical (leia o post O Improviso no Blues), o que esperar de um grupo social assim? Provavelmente se apegar à religião! Vamos lembrar que o Cristianismo para os escravos era uma religião imposta pelos brancos e para praticar seus cultos e crenças de sua terra natal foi preciso fundir as duas religiões, a católica e a africana.
Portanto, podemos supor que pessoas que apareciam com simpatias e devoções a entidades incomuns a “cultura branca”, com músicas que retratavam seu dia a dia, inclusive seus temores ou práticas espirituais, um simples gestos de oferendas a uma destas entidades religiosas por parte de um de seus praticantes, na tentativa de receber um auxílio, nem que seja espiritual, para suportar as dificuldades, poderia por diversas pessoas inseridas em uma sociedade preconceituosa, sem conhecimento destas religiões ou até mesmo sem preparo intelectual para compreendê-las, interpretar este ato como um pacto com forças ocultas.
Temos que levar em conta também que o blues era tocado por viajantes sem destino, artistas populares em casas de prostituição, de bebidas e jogos, e lugares do gênero, considerados pelas boas famílias como lugares malignos e de péssima índole. Se neste lugar aparecesse um músico que se destacasse dos demais e praticante da religião dos seus antepassados... era um prato cheio para se imaginar ter o talentoso artista negro realizado o famoso pacto na encruzilhada!
Voltando inevitavelmente para o mais conhecido “tratado com o demo”, o de Robert Johnson. Se ele fez o pacto na encruzilhada? Eu acredito que “sim” pelo o que eu expus, mas, se foi o pemba que ensinou ele a tocar, eu particularmente não acredito. Ele era um gênio da musica, tanto o foi que suas letras e melodia revolucionaram o blues da época, é admirada, executada e regravada até hoje por praticamente todos os grandes nomes da música em geral. Agora, eu acredito que ele foi pro inferno, sim! Mas, para ensinar o capeta a tocar direito! 
            Até a próxima!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Encruzilhada - Artigo Sem o Óbvio. Parte I

A Encruzilhada – O que levaria um músico de blues a fazer um tratado com forças espirituais em um encontro de estradas? – Artigo de minha análise pessoal sem o óbvio!

Este final de semana me reuni com os amigos, e entre conversas sobre blues sempre surge assuntos ligados aos mitos ocultos do blues, do tipo o bluesman de “corpo fechado”, o mojo, o osso de gato preto, entre outros. Mas, nessas conversas de boteco sempre se destaca a famosa encruzilhada. 
Falando em encruzilhada logo vem a mente o maior mito do blues o homem que viu de perto o “Pemba”, o “Quatro Patas”, o “Carcará”, o... Capeta! Seu nome é Robert Johnson. A conversa regada a álcool foi se desenvolvendo e um de meus amigos me pediu para escrever algo sobre a encruzilhada no blog. Pensei... esse assunto é muito infantil! Falar sobre o pacto com o diabo que alguns bluesmen supostamente fizeram para terem fama e fortuna... até meus filhos de quatro anos sabem disso!
Então veio o desafio: “Há é? Procure na Internet sobre o tema. Se você achar algum artigo que fale sobre o mito da encruzilhada, e não fale sobre Robert Johnson te pago uma pizza gigante de frango a bolonhesa!” Aí caro leitor... é demais pro meu ego! Topei o desafio e... perdi minha pizza gigante de frango a bolonhesa!!!!!! Não existe, ou pelo menos eu não encontrei nenhum artigo sobre o mito da encruzilhada que não falasse o óbvio sobre Robert Johnson, como o local do pacto que foi na encruzilhada da Route 61 com a 49 (que papo furado! O cara ia encontrar o Demo em um dos maiores entroncamentos de rodovias do Sul? E quem garante isso? Alguém fotografou? Testemunhou?), que tocava de costas para o público porque não podia deixar a platéia ver os olhos do demo (ele não queria que os outros músicos copiassem as suas técnicas!), que morreu latindo e de quatro como um cachorro (já foi envenenado alguma vez? Se não, te garanto, você vai ficar de quatro e latindo de dor!), e blá blá blá... O mesmo de sempre! Os sites e blogs parecem simplesmente usarem a famosa dupla sertaneja Ctrl+c e Ctrl+v. Ninguém analisa nada, ou escreve algo diferente!
Sendo assim, minha proposta é escrever sobre o mito “A Encruzilhada”, analisar e tentar responder a pergunta: “O que levaria um músico de blues a fazer um tratado com forças espirituais em um encontro de estradas?”
Para tentar compreender vamos comentar os seguintes itens, tento como base a cena que um bluesman de 1920 a 1935 encontraria em seu país, como: aspecto histórico cultural da sociedade, perspectiva de ascensão socioeconômica, aspecto psicológico e religiosidade.
- Aspecto histórico cultural
Não sou historiador, mas, sei que a abolição da escravatura americana ocorreu na década de 60 do século XIX. Portanto os negros tinham mais ou menos 70 anos de liberdade levando em conta a década de 30 do século XX que estamos analisando.
Quando foram libertados foram simplesmente “soltos no país”, não receberam ajuda de custo ou qualquer assistência para começar uma vida digna. Tanto foi que alguns continuaram seus trabalhos nas plantações como antes, pelo simples fato de não terem para onde ir.
Infelizmente os ex-escravos foram renegados ainda aos trabalhos forçados, seja nas lavouras no sul, ou nas indústrias no norte. A sociedade americana ainda enxergava os “homens de cor” como seres inferiores, e o racismo imperava em todos os lugares com a intensificação da segregação racial, que chegou ao cúmulo do absurdo de separar lugares no ônibus, bebedouros, igrejas, escolas, hospitais, etc., para brancos e negros. E atrocidades piores como leis que impediam negócios e até casamento inter-racial (para se ter uma idéia a última lei contra casamento inter-racial nos EUA deixou a constituição no fim da década de 60 do século XX!!!), e as inúmeras tentativas de ressurgir a famigerada Ku Klux Klan que era uma sociedade secreta com ideais parecidos com a “superioridade ariana” do nazismo, e promoviam atos abomináveis contra negros, simpatizantes, políticos que tentavam dar dignidade aquelas pessoas, etc. Um dos atos marcantes era queimar igrejas que tinham trabalhos sociais voltados aos negros. Um detalhe importante é que a Klan foi banida e considerada crime hediondo ainda no fim do século XIX, mas, mesmo assim personagens da alta sociedade branca participaram de atrocidades sem serem incomodados pela justiça! Isso nos mostra que o racismo era tão evidente que ultrapassava até a venerada constituição americana, ou seja, não havia leis, o que importava era não permitir a ascensão dos ex-escravos na sociedade.
Podemos notar pelo fator histórico que a sociedade americana naquela época era extremamente conservadora e racista, vendo o negro apenas como força de trabalho e nada mais.
Continua...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Blues Band


Melancolia...
Minha companhia hoje se chama Melancolia
É triste ver olhos bucólicos
Eu já vi muitos olhos bucólicos...
O solista tem sentimento!!!
É um grande pianista!
A garota do lado conversa alto
O teor do álcool já está alto!
Uma noite quente, com pessoas frias
Minha vez de solar...
A guitarra canta sozinha...
A música... Old Love
Melancolia...
Fechos os olhos para lembrar de... old love
Alguns aplaudem... outros entram em êxtase
Eu... old love
Fim da canção, aplausos de admiração!
Onde está a Melancolia?
Ela voltou... depois que a música acabou.
Fim de noite, bar vazio
Um pobre coitado debruçado no balcão
Outro caído na portaria
Recebo minha grana, pego a guitarra
Tomo o último gole do copo
Desceu queimando como brasa!
“Amanhã você volta?” Perguntou o baterista
Não respondo... ele sabe a resposta
Saio do bar... o dia chegando... e ainda quente!
Olho para trás...
A Melancolia me acompanha
“... este é o fim... da maior banda de blues de...”

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Balada de Bill Black - parte 1


Contos do Blues
A Balada de Bill Black
William Blackmore nasceu em uma fazenda no município de Clarksdale, estado do Mississipi, filho de Emma McGuier. Seu pai um desconhecido, que segundo contam era um viajante sem destino traçado, que de vez em quando aparecia em Clarksdale, principalmente nos dias de festa na cidade. Segundo alguns era um exímio violonista, mas, ninguém sabia a sua origem. Emma então com 15 anos se encantou por aquele misterioso homem, e o resultado de uma noite de festa na fazenda regada a muita musica, whiskey de milho artesanal e hormônios em alta, teve como resultado uma gravidez inesperada.
O pai desapareceu e ninguém teve mais notícias dele. A família de Emma a expulsou de casa não aceitando a condição de mãe solteira da filha. Mas, Emma continuou na fazenda vivendo na casa de uma idosa viúva solidária, tendo que escondeu ao máximo a gravidez para evitar boatos e ser expulsa também de seu trabalho.
O parto foi sofrido com quase a morte do bebê e da mãe, se não fosse à habilidade da parteira local com a grande experiência em trazer à luz os bebês das negras de Clarksdale. Mas, Emma desenvolveu uma infecção generalizada, provavelmente devido a pouca higiene no local do parto realizado as escondidas no estábulo da fazenda. Isso porque o senhor e dono da propriedade, homem este com muito preconceito, não permitiu que uma negra desse a luz em seus domínios, ele acreditava que traria mau agouro para suas plantações e negócios. Por misericórdia de Deus, que abençoou uma velha senhora também negra que ninguém sabia a sua idade, ou de onde ela veio, mas, era profunda conhecedora das propriedades medicinais das plantas, que conseguiu salvar Emma e o bebê.
            Emma ajudada por essa senhora foi trabalhar em outra fazenda, pois não conseguia conviver no mesmo local com a própria família após tê-la expulsado e a humilhado. Ela conseguiu um emprego como cozinheira e mudou-se com o filho para a Watson Farm, uma fazenda localizada no limite da cidade, de propriedade de Robert Watson, um homem branco riquíssimo, dono de inúmeras fazendas naquela região, tendo o seu domicílio lá na própria Watson Farm, dizem alguns que era um homem muito rude, que não gostava das “pessoas de cor”, e péssimo patrão, pois não permitia nenhum dia de descanso nas plantações, e cobrava taxas sobre tudo o que era consumido pelos trabalhadores como alimentação, vestimentas, ferramentas de trabalho, o sustento dos cavalos, mulas e burros que eram usados no campo, e até a água para se jogar nas latrinas nos banheiros usados pelos trabalhadores. Desta forma, os trabalhadores não recebiam nada e ainda deviam sempre algo ao patrão para ser pago no mês que vêm. As famílias de trabalhadores moravam em pequenos apartamentos de um quarto e uma cozinha em um enorme pavilhão, onde o banheiro era coletivo não dividido por gênero. Para tomar banho o que tinham era alguns canos que escorriam água captada de um córrego próximo.
            Foi nesta ambiente de trabalho árduo, preconceito por ser filho de mãe solteira, pouca comida, baixa higiene, racismo, preconceito e miséria que dominava o sul que William Blackmore cresceu. Como a proximidade entre as famílias era muito grande acabou conhecendo ainda na infância dois amigos que teriam grandes influências na sua vida, Bukka Santiago e Paul Morganfield. Bukka era um garoto obeso que apresentava uma dificuldade enorme para aprender, e às vezes até compreender o que as pessoas falavam com ele. Paul era muito esperto, franzino e sempre alerta, se metendo sempre em confusão e apanhando muito do pai, que era um homem muito religioso e não permitia certas brincadeiras de criança. William agora carinhosamente chamado de Bill Black era uma criança muito calada, mas sociável. Já aos seis anos trabalhava como qualquer adulto nos campos de algodão e tabaco, enquanto a sua mãe cozinhava para a família do senhor Watson na casa principal.
Continua...