segunda-feira, 18 de abril de 2011

“I got a thing about Blues.” – Por Mariana Diamond.


“I got a thing about Blues.” – Por Mariana Diamond.


Não sou mais do que um filisteu nesse assunto de blues: tenho um único cd da
Ella Fitzgerald.
Existe em mim porém uma enorme atração por esse tema que nem eu mesma consigo compreender. Golpes do destino?! Sempre sou levada ao sul onde nasceu o blues.

Tudo começou com o Coração Satânico “Angel’s Heart(1987)” do Allan Parker. Havia um guitarrista de blues nesse filme, um tal de Toots Sweet. E foi quando vi "o blues" pela primeira vez. Digo, pela primeira vez escutei o termo blues e prestei atenção.

E o que sei sobre ele é basicamente isso: é tão triste quanto "Mississipi
em Chamas" “Mississippi Burning (1988)” do mesmo Allan Parker. É como saber
que o casamento entre negros e brancos deixou de ser crime no estado do
Alabama somente em 1984. É como ler o poema “Ballad of Birmingham” do
Dudley Randall pela primeira vez.

Algo que aprendi é que as coisas não necessariamente precisam ser bonitas
para serem tremendamente valiosas. É assim com qualquer tipo de Arte. E é
assim também com esse tipo de música.

Como disse antes, não clamo ser uma ouvinte fiel(na verdade prefiro a melancolia do darkwave ou post-punk revival) mas o que me encanta no Blues é essa atemporalidade das histórias e a natureza da voz que as conta.
É talvez a música com "mais" alma que eu já tenha escutado.

Há algo de incômodo e visceral nesse gênero musical. Algo poderoso. Não é uma mera coincidência a paixão da dor ser o maior ícone religioso que já existiu, a paixão da dor é uma coisa maior e mais intensa.
É dessa maneira que o blues atravessa diferenças abismais entre universos e universos e se torna querido e inteligível: porque todos nós conhecemos algo de dor.

O ser humano é um animal triste.

Gosto de contar aos meus alunos de inglês que in English a cor azul quer dizer melancolia e tristeza. A cor azul na nossa língua tem um valor semântico completamente diferente: "tudo azul" quer dizer tudo lindo e calmo.

"I've got the blues" é uma exclamação de um estado de enfermidade. Sofrendo uma dor na alma. Essa dor,no caso, é algo incontrolável e sôfrego, assim como a turbeculose. Uma crueldade da vida. E é exatamente essa dor personificada em algo-quase palpável- que dá nome ao estilo musical: Blues.  

Ainda assim, como uma língua alienígena, uma época diferente, um contexto social totalmente díspar pode ser tão tocante? Qual é essa verdade dos negros sulamericanos que nos é tão reconhecível? Talvez a resposta esteja na beleza que provém das coisas mais tristes. Talvez na universalidade dos sentimentos. Talvez nós brasileiros saibamos algo sobre marginalização e injustiças. E dessa maneira, o blues nos une como exemplares de uma mesma espécime. Mesmas angústias, mesmos conceitos universais e flutuantes. E se isso não é doce, não sei o que mais seria.

É bom não se calar. É bom fazer nascer de uma perda, de um trauma, de uma injustiça, uma voz que grita eternamente. A arte é, em alguns pontos, uma redenção espiritual. E todas as suas formas são apenas variações de uma única coisa.
Por isso quero dividir o poema do Randall com vocês. Ao meu ver, se outrora escrito com uma escala específica de notas, as palavras não seriam o tom. O tom seria o do blues:

Dudley Randall
(1914-)
Ballad of Birmingham
(1969)
(On the bombing of a church in Birmingham, Alabama, 1963)
(Sobre o bombardeio de uma igreja na cidade de Birmingham)

"Mother dear, may I go downtown ( "Mãe querida, posso ir para o centro)      
Instead of out to play, (ao invés de brincar lá fora)
 And march the streets of Birmingham (e marchar nas ruas de Birmingham)
In a Freedom March today?"(na Marcha pela Liberdade, hoje?")

"No, baby, no, you may not go,("Não, meu bem, não, você não pode ir)
For the dogs are fierce and wild, (porque os cães estão incontroláveis e violentos)
And clubs and hoses, guns and jails (e cacetetes e algemas e armas e cadeia)
Aren't good for a little child."(não são bons para uma criança pequena")

"But, mother, I won't be alone. ("Mas, mãe, não estarei sozinha)
Other children will go with me, (outras crianças irão comigo)
And march the streets of Birmingham (e marcharão pelas ruas de Birmingham)
To make our country free."(para de nosso país um país livre)

                     "No, baby, no, you may not go,(Não, meu bem, não, você não pode ir)
For I fear those guns will fire. (porque temo essas armas dispararem)
But you may go to church instead (ao invés disso você pode ir na Igreja)
And sing in the children's choir."(e cantar no coro das crianças)

She has combed and brushed her night-dark hair, (Ela penteou e escovou seu cabelo negro como a noite)
And bathed rose petal sweet,(e se banhou com doces pétalas de rosa)
And drawn white gloves on her small brown hands, (e vestiu luvas brancas em suas mãozinhas morenas)
And white shoes on her feet.(e sapatos brancos em seus pés)

The mother smiled to know that her child (A mãe sorriu ao pensar que sua filhinha)
Was in the sacred place, (estava em um lugar sagrado)
But that smile was the last smile (mas foi o último sorriso)
To come upon her face(que ela colocaria em seu rosto)

For when she heard the explosion, (Porque quando ela escutou a explosão)
Her eyes grew wet and wild. (seus olhos ficaram molhados e enlouquecidos)
She raced through the streets of Birmingham (ela correu pelas ruas de Birmingham)
Calling for her child.(chamando sua filhinha)

She clawed through bits of glass and brick,(Ela cavou dentre os estilhaços de tijolos e vidro) 
Then lifted out a shoe.(e encontrou um sapato)
"O, here's the shoe my baby wore, ("Oh, aqui está o sapato que minha querida filhinha usava)
But, baby, where are you?"(Mas, meu bem, onde está você?")

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