sábado, 28 de maio de 2011

A Balada de Bill Black parte III


A Balada de Bill Black parte III

São cinco horas da manhã, e o apito do capataz já soou pela terceira vez, significa que os trabalhadores em fila indiana deveriam começar a caminhada em direção as plantações.
            Bill não dormiu a noite, ficou deitado em seu colchão de palha apenas olhando para o teto, relembrando cada detalhe do que ele tinha visto na Tia Marlene Barrelhouse. E já preparou o plano para o dia seguinte, pois ele tinha que entender o que era aquela casa, e principalmente aquela música que estava tocando.
            Antes do amanhecer Bill se levantou, foi até o fogão de lenha e tomou seu café preto com melado e um pedaço de bolo de milho que a mãe tinha preparado para ele. Era assim toda a manhã, ele levantava a sua mãe já tinha saído para a casa dos senhores e deixado o café matinal para Bill poder fazer o desjejum e ir para o trabalho.
            Mas, Bill havia decidido que aquele dia seria um dia diferente, ele fez tudo como sempre, vestiu sua roupa de trabalho, calçou as botinas já gastas e furadas, pegou a sua foice e foi para fora, onde no pátio todos os trabalhadores esperavam o momento de caminhar.
            Após o apito do capataz as pessoas começavam a caminhar em direção a estrada, e geralmente o primeiro da fila começava a cantar uma canção de uma estrofe, e os demais respondiam em uma próxima estrofe, eram as conhecidas canções de trabalho.
            Bill não se aproximou de Bukka nem Paul que estavam um pouco mais a frente, preferiu ficar entre os últimos. O céu começou a clarear, mas, ainda dava para ver nitidamente as estrelas e a lua.
            De repente, quando a longa fila de trabalhadores entrou na estrada, Bill saltou para fora da estrada e correu o máximo que pôde para ninguém o ver. Ele fez isso, pois a sua conta no armazém da fazenda estava alta e se descobrissem que ele não estava trabalhando, teria que pagar uma multa e não receber alimentação ou água.
            Bill correu até perceber que ninguém o havia seguido ou notado a sua falta. Nesse momento passou pela cabeça que mais cedo ou mais tarde na hora da chamada no campo, o capataz notaria a sua falta, e provavelmente iria anotar suas falhas, e sua conta no armazém aumentaria. Mas, também se lembrou que nunca conseguiu pagar a conta... Alias ninguém nunca conseguiu pagar a conta do armazém. Isso o deu mais coragem para seguir em frente para a saída da cidade.
            Bill chegou a Tia Marlene Barrellhouse já era dia, mas, o lugar estava fechado, todas as janelas e portas trancadas. Bill entrou na varanda do estabelecimento, mas, não encontrou ninguém para atendê-lo, não avistou o Big Norton. Resolveu então dar a volta no galpão. Do outro lado encontrou uma senhora lavando diversos lençóis e roupas de cama. Do seu lado tinha um tonel de água fervente aquecido por uma fogueira pequena acesa por baixo, onde essa senhora mergulhava as roupas com um pedaço de galho de arvore e retirava as roupas quentes e estendendo-as. Bill se aproximou, e a senhora o olhou fixamente.
            - O que está fazendo aqui garoto? – Perguntou a senhora ajeitando o lenço branco na cabeça.
            Bill se aproximou.
            - Estou procurando aquele moço que tocou aqui ontem. – Disse Bill timidamente.
            A senhora ajeitou o lençol para secar, retirou um pouco do suor da testa e disse:
            - Aquele vagabundo do Murphy? – O semblante da senhora mudou completamente – Garoto, sua mãe sabe que você está aqui?
            Bill não queria falar sobre isso, mas, pela educação recebida respondeu:
            - Não, eu fugi e vim pra cá.
            A lavadeira colocou as duas mãos nas costas e disse:
            - Tu queres aprender a tocar blues?
            Bill ficou espantado com a pergunta da lavadeira, como ela sabia? Ele não havia dito isso a ninguém!
            -Sim! Como à senhora sabe?
            A lavadeira se aproximou de Bill e colocou a sua mão direita em seu ombro.
            - Meu filho, já sou guerreira velha! Vejo nos olhos da pessoa o que ela deseja! E afinal, o que uma pessoa iria querer com aquele vagabundo? A única coisa que ele pode fazer é ensinar a tocar alguma coisa! – A lavadeira olhou fixamente nos olhos de Bill – Vou te ensinar o primeiro segredo do mundo, menino! Se quiser tocar blues, tenha maldade!
            - Eu preciso ser mau, pra tocar blues? – Perguntou intrigado Bill.
            A lavadeira caiu na gargalhada e completou:
            - Garoto, maldade é saber aonde você vai, em quem confiar como fazer as coisas... Isso é maldade, ou seja, ser esperto! Por exemplo, não confie cegamente em Murphy! Aquele é macaco velho! Vai querer explorar de você! Te tirar tudo! – A lavadeira fez uma pausa e fixou o olhar novamente – Faça o contrário! Deixe-o pensar que está controlando você, enquanto você tira tudo que pode! – E piscou para Bill.
            Bill ficou calado, mas, absorveu todas as palavras da sábia senhora.
            A lavadeira então, apontou para os fundos do galpão.
            - A primeira porta dos fundos é o quarto dos músicos que passam a noite aqui na Tia Marlene. – A lavadeira fez uma cara de nojo – Ele está lá. Lembre-se: seja esperto!
            Bill agradeceu aos conselhos e caminhou em direção aos fundos do galpão, antes de chegar lá ele ouviu de longe em quase um grito a velha lavadeira mais uma vez:
            - Eu havia me esquecido, não o acorde! Aquele cachorro é capaz de bater em qualquer um que interrompa o seu sono! Deixe-o levantar primeiro!
            Bill caminhou até o local indicado pela senhora, e tudo ainda estava fechado. Seguindo o conselho Bill procurou uma sombra em uma arvore próxima e sentou, ficando de frente para a porta, mas, bem distante, de forma que ninguém o via.
            Ele acabou relaxando e adormecendo.
            Bill acordou assustado com um barulho de porta sendo esmurrada e alguém gritando:
            - Vamos levantar Crazy Dog! – Aquela voz não era estranha para Bill – Já é meio dia! E a Tia Marlene não vai te pagar o almoço hoje, nem a sua estadia aqui! Você já recebeu tua grana, bluesman! Ta na hora de voltar para a estrada!
            Bill se levantou e olhou para um gigante que estava na porta do músico o acordando, era Big Norton, então se aproximou e ouviu o músico dizendo:
            - Grande Norton, estava apenas descansando esta carcaça, meu caro! Já estou de saída, mas, o trem só passa na cidade ao anoitecer, me deixe preparar minha saída com calma! – O bluesman se levantou e vestiu as calças.
            - OK, meu velho amigo, pode ficar até a noite, mas, lembre-se, Tia Marlene não tem compromisso com você! Fique por sua conta! – Big Norton se virou, e quando já se preparava para voltar se deparou com Bill – Garoto Bill!? O que você faz aqui?
            Bill se aproximou um pouco mais para falar com Big Norton e olhou dentro do quarto onde Crazy Dog Murphy já se levantara e se preparava para barbear.
            - Quero pedir ao seu Murphy para me ensinar a tocar blues. – Disse Bill calmamente ainda observando o interior do quarto.
            Big Norton soltou outra gargalhada estridente, e repousou a mão direita no ombro franzino de Bill, e gritou para dentro do quarto.
            - Hei velho rabugento! Venha cá.
            Demorou um pouco até que Murphy saiu, depois de outra insistência de Big Norton.
            - Pois não, Norton? – Murphy era um negro que aparentava ter em torno de 60 a 65 anos, apesar de ter exatos 40 anos, muitos cabelos brancos, olheiras profundas, muito magro, mãos com dedos longos, estava vestindo uma camiseta branca suja de molho de macarrão, e calça amarrotada de um terno risco de giz.
            Big Norton se aproximou de Crazy Dog Murphy.
            - Ei, malandro! Este garoto quer aprender blues! Seja legal com ele, ou então meus braços não serão legais com você! – Big Norton deu dois tapinhas no rosto de Murphy – Este moleque te viu tocar, e virou fã do blues! Se não quiser ensina-lo  um pouquinho é seu direito, e apenas dispense o rapaz, mas se for ensina-lo... tome conta da cabeça dele também! Você sabe do que estou falando!
            Murphy olhou para Bill com admiração, e estendeu a mão para cumprimenta-lo.
            - Meu caro, Norton, somos conhecidos desde crianças, estou precisando de um auxiliar...ele pode me acompanhar e eu o ensinarei a tocar! – Murphy apertou a mão de Bill – Olá garoto, qual o seu nome?
            Big Norton interrompeu os cumprimentos.
            - Ei Murphy, nada disso! Nada de levar o garoto para a estrada! É só ensina-lo alguns acordes e só! Ele tem família aqui!
            - Ora, meu caro, ele vai comigo se quiser! Já é homem! Não é, Bill?
            Bill ficou empolgado com a idéia de viajar com Crazy Dog Murphuy.
            - Não, Murphy! – Disse com ar de seriedade Big Norton – Não ensine essa vida para o garoto! Apenas a música!
            Murphy sorriu e fez um sinal positivo com a cabeça.
            Big Norton ainda desconfiado se despediu e saiu, pois tinha muito a fazer naquela tarde até a hora das portas da Tia Marlene Barrelhouse se abrirem novamente.
            Murphy e Bill se cumprimentaram calmante, e Bill contou que o assistiu na noite passada e que ficou fascinado pela música que ele havia tocado.
            - Que bom garoto! Que bom! Mas, no blues cada lição tem seu preço e cada músico tem um nome que merece. Você está começando agora...- Murphy pensou, sentiu o estômago apertar de fome...- Vamos começar... quero que me arrume um prato grande de comida para almoçar!
            Bill estranhou o pedido, pois imaginava que iria pelo menos tocar no instrumento musical de Murphy, e perguntou porque.
            - Jovem... no blues tudo tem seu preço, me traga um prato de comida... e vamos começar! OK?
            Bill saiu então a procure de um prato de almoço para Murphy...
            40 minutos depois, o garoto voltou com dois pratos envolvidos em um lenço de pano.
            - Muito bem, garoto – Você conseguiu não só um, mas, dois pratos! – Murphy tentou pegar os dois pratos, mas, Bill o entregou apenas um, e deixou o músico intrigado.
            Bill olhou para Murphy calmamente, abriu o pano dos pratos, pegou a colher e começou a comer.
            - Eu pago pra você me ensinar...mas, eu trabalho só pra mim! – E deu a primeira colherada.
            Murphy começou a gargalhar, pela primeira vez sentiu uma simpatia pelo garoto.
            - Muito bem, jovem! Já aprendeu a primeira lição! – Murphy também começou a comer – Agora, se você quer aprender o blues.... tem que pegar a estrada! Viajando se aprende onde tocar, como tocar nestes lugares, ter contato para se apresentar.
            Bill parou de comer e olhou para a estrada.
            - E como vamos fazer isso sem dinheiro?
            Murphy deu uma colherada no prato, se recostou na parede do quarto.
            - Isso é na estrada onde se aprende, garoto! Um músico tem que saber se virar, saber viajar sem grana, saber chegar no seu destino de qualquer jeito! Como conseguiu esta comida?
            - Pedi aquela senhora que lava roupas aqui... disse que era pra mim e pro meu pai.
            Murphy gargalhou mais uma vez.
            - É disso que estou falando, garoto! Você tem a alma do blues! Estou de partida esta noite. Venha comigo e te ensino os blues e como viver os blues!
            - Mas, não tenho dinheiro! – Disse Bill desanimado.
            - Mas, você tem o coração! – Murphy se aproximou de Bill – Seu coração é a sua esperteza! E ele te leva pra qualquer lugar! E te ensinarei a usar sua esperteza! – E deu outra colherada na comida.
            Bill ficou pensativo por 15 minutos.
            - Eu vou!
            - Bom!!!! – Exclamou Murphy dando outra colherada – Te espero as 22:30 hs no pátio de transito das máquinas de trem, atrás da estação, atrás da caixa d’agua da Central!
            - Certo! – Bill se levantou e quando estava saindo para preparar suas coisas Murphy o interrompeu.
            - Ei, garoto! – E deu outra colherada – Você precisa de um nome!
            Bill não entendeu, afinal seu nome era Bill Black.
            - No blues temos nossos nomes do “blues”!
            - Mas, meu nome é Bill Black.
            Murphy olhou fixamente para Bill, deu outra colherada no resto da comida.
            - É um nome legal... mas, a partir de hoje você se chama Novato!
            - Novato? Que nome ruim!!!
            - Mas, é o que você é... o Novato do blues! Muito bem, Novato! Te espero como combinado!
            Bill saiu e correu para sua casa, e passou a gostar do seu nome apelido depois que foi explicado por Murphy.... Novato!



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