Curiosamente
andei lendo alguns antigos de 20 e até 30 anos atrás sobre alguns registros de
blues brasileiro e sobre a descoberta do blues no Brasil, e me deparei com dois
álbuns de grande importância para a disseminação do estilo no país, são eles:
Mandinga de André Chistovam e Água Mineral da banda Blues Etílicos. E concordei
com alguns críticos que argumentam serem estes os álbuns chaves que abriram as
portas do blues em nossas terras.
Mas,
porque disto? O que levou Mandinga e Água Mineral a catapultar o blues
brasileiro?
Você
deve estar se perguntando que antes destes registros estava Celso Blues Boy, o
primeiro artista brasileiro a usar o termo Blues em seu nome, e vender seus
álbuns e show s caracterizando e divulgando seu trabalho como blues, lançando o
primeiro álbum de blues no Brasil o “Som Na Guitarra” de 1984, que tem
clássicos do blues brasileiro como “Aumenta que Isso Aí é Rock’n’Roll”,
“Fumando na Escuridão”, e “Brilho da Noite”, além de B.B. King o reconhecer
como grande músico de blues, tocar no Festival de Montreux, ser convidado para
integrar os The Commitments e outros feitos?
Eu também
fazia a mesma pergunta, até ler uma entrevista que pode ser conferida no blog http://mannishblog.blogspot.com.br
do produtor cultural Eugenio Martins Jr.. E achei uma das respostas que tanto
procurava! Durante a entrevista, em uma pergunta de Eugênio ao também produtor Herbert
Lucas (um dos responsáveis por grandes shows de blues e divulgação do estilo no
país), este fez a seguinte afirmação: “O Celso Blues Boy era mais rock. Ele não
se assumia como blues absoluto. Ele era blueseiro na essência, mas, fazia rock.
Talvez ele tenha sido o primeiro bluseiro. Olha que coincidência, ele havia
tocado com o Sá e Guarabyra na adolescência e foi o Sá quem deu o apelido a
ele. Surgiu o Celso Blues Boy que veio a ser a lenda do blues nacional. Veja
bem, o Celso já vinha tocando a muitos anos antes do André (André Christovam),
mas, ele não se assumiu como blues nem fez esse marketing”. Uma declaração
desta de um nome importante para a história do blues no Brasil já nos remete a
concentrar as nossas atenções nos discos Mandinga e Água Mineral. Certo?
Pois
bem! Para entender mais sobre o período que estes álbuns em questão foram
lançados, e conseqüentemente compreender o “boom” destes artistas comecei a
conversar com amigos e conhecidos, que como eu viveram aquela época. E nestas
conversas chegamos a vários pontos em comum que devemos levar em conta. Primeiramente
vamos tentar compreender o movimento cultural da explosiva década de 80.
A princípio
devemos destacar que no fim dos 70’s e início dos 80’s começou a aparecer por
aqui artistas de jazz como Ray Conniff, Oscar Peterson, Dizzie Gillespie e Ray
Charles, que esporadicamente executavam blues em seus repertórios, festivais
como o Rio Jazz Montreux no Maracananzinho e o Free Jazz, eventos diversos no “alta
classe” 150 Night Club, bar do hotel Maksoud Plaza, que apresentava uma gama de
shows voltados para o blues como Junior Wells, Buddy Guy, John Hammond, Steve
Ross, Alberta Hunter e etc. e também diversos shows do rei B.B. King. Então
nota-se uma abertura do mercado e da mídia para o blues, tornando uma novidade
de consumo cultural, e um solo fértil para novos artistas do gênero.
O
público nesta época estava ávido pela diversidade, era a década do fim da
ditadura (leia-se liberdade de expressão), do primeiro e maravilhoso
Rock’n’Rio, ou seja, o auge do que era interessante no mundo caindo de
paraquedas aqui na República das Bananas, da rádio Fluminense (A Maldita)
divulgando a garotada esperto do pedaço, do Circo Voador, local histórico onde
bandas novas e consagradas se apresentavam.
E
neste celeiro o rock brasileiro cantado em português teve seu “boom”,
representado principalmente por bandas como Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs, RPM, Cazuza,
Engenheiros do Havaí, Biquíni Cavadão, Ultraje a Rigor, Kid Vinil, Ira!, Barão
Vermelho, Camisa de Vênus, Leo Jaime, Legião Urbana, etc.
E nessa
onda os artistas de blues brasileiros pioneiros como Celso Blues Boy, André
Cristovam e a Blues Etílicos (na verdade existiam outras bandas e artistas,
mas, foram estes que mantiveram uma carreira sólida e de destaque) fazendo
blues em português pegou carona.
No mundo
caro leitor (a), tudo, absolutamente tudo é uma questão de estar no lugar certo
na hora certa, o solo estava preparado da melhor forma possível para plantar o
blues no Brasil, os músicos tinham espaço, divulgação, público, e apoio
cultural.
Nesta
onda em 1988 foram lançados os álbuns em questão (Mandinga e Água Mineral). O
André Christovam tenho que ainda destacar o fato de conhecer os caminhos das
pedras em relação à música popular da época, ou seja, o rock brasileiro, uma
vez que já tinha trabalhado com, Kid Vinil
& Os Heróis do Brasil, Rita Lee e Roberto de Carvalho, Raul Seixas
e Marcelo Nova,
entre outros, e isso sem falar na bagagem cultural que adquiriu só de ter sido
roadie de ninguém menos que Albert Collins na época que estudava musica nos EUA.
André teve a grande sacada de gravar um disco com a mesma malandragem dos
bluesmen originais, mas traduzida para a língua pátria brasileira, e tome
clássicos do blues verde e amarelo como Confortável (fantástica versão de Built
for Confort do Howlin’ Wolf), Genuíno Pedaço de Cristo e Dados
Chumbados.
A
Blues Etílicos por sua vez estava lançando Água Mineral sendo este seu segundo
trabalho, mas, desta vez através de uma grande gravadora, a Eldorado, recebendo
melhores estúdios de gravação, distribuição, recursos financeiros e trabalho de
marketing. Além de apresentar em suas fileiras músicos interessantes e de
inegável talento, como Greg Wilson, um musico norte-americano, natural do
Mississipi com bacharelato em música pela Universidade da Carolina do Sul, que
conferia um toque de legitimidade e direcionamento correta à banda ao
executarem tanto o blues americano, quanto a forma correto de se criar blues em
português. Apresentava também a inigualável harmônica de Flávio Guimarães, que
se tornou referência no blues e no rock nacional pela sua técnica exuberante e
bem encaixada no grupo. E magia da guitarra slide (novidade por aqui, técnica
também dominada por André Christovam) de Otavio Rocha.
Até
aqui estava tudo armado para a explosão do blues no Brasil, mas, teve outro
toque do destino que completou todo quadro preparado até então, e este toque
foi o Primeiro Festival Internacional de Blues no Brasil, que foi realizado em julho
de 1989 em Ribeirão Preto/SP, com participações de Buddy Guy, Junior Wells,
Albert Collins, Magic Slim e Etta James, com grande repercussão na mídia
nacional, tendo como abertura na noite de Albert Collins o André Christovam, e
na de Buddy Guy a Blues Etílicos.
Além
do festival de blues de Ribeirão Preto ocorreu também o Free Jazz Festival no
mesmo ano, com a participação de André Christovam na noite do dia 27 de agosto
abrindo a noite de blues do festival para ninguém menos que John Lee
Hooker e a banda The Coast to Coast Blues, e John Mayall & The
Bluesbreakers.
A
resposta do público diante de toda esta exposição na época foi tamanha que durante
esse período a Blues Etílicos participou de vários programas especiais na TV
Cultura, Rede Manchete e MTV, além de ter suas músicas amplamente executadas
nas rádios em todo país.
O
resultado disso tudo foi que os discos em questão venderam mais de 40 mil cópias. Juntos, os álbuns destes artistas na época
venderam mais do que todos os discos de blues nacionais e internacionais
lançados no Brasil até então. Venderam mais juntos do que toda a
discografia internacional de todos os tempos, incluindo BB King e Robert Cray,
de acordo com a pesquisa de Luiz Fernando Vitral que na época era da revista Veja.
Neste
momento, em minha opinião, foi o divisor de águas para o gênero no Brasil. A
partir deste cenário, surgiram várias bandas nacionais influenciadas pelo som da
Blues Etílicos e de André Christovam, além de pipocar no Brasil inteiro
diversos festivais de blues, selos independentes trabalhando com o estilo e
músicos fantásticos.
E
neste ano de 2014 completam-se 25 anos de lançamento das pedras fundamentais
para o blues brasileiro, os álbuns Mandinga e Água Mineral e analisando todo o
contexto da época, acredito que conseguimos compreender como e porque estes álbuns
são além de clássicos a catapulta do estilo para o blues brasileiro.